Na última semana, noticiários de todo o país veicularam atentados e tentativas de atentados em escolas nas mais diferentes regiões do Brasil. Na segunda-feira, 27, uma professora de 71 anos morreu esfaqueada por um aluno em uma escola de São Paulo, e, a partir deste episódio, tentativas do mesmo tipo de crime foram denunciadas.
No entanto, estes crimes não começaram agora. Segundo um estudo realizado pela professora Telma Vinha, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Campinas (Unicamp), e da advogada e mestranda da Faculdade de Educação da Unicamp, Cleo Garcia, nos últimos 20 anos houve 22 ataques em 23 escolas no Brasil, que foram cometidos por alunos ou ex-alunos de 10 a 25 anos.
De acordo com o estudo, do segundo semestre de 2022 até agora, houve nove atentados que mataram sete pessoas.
Em 2017, um ataque ao Colégio Goyazes, em Goiânia, acendeu um alerta para os cuidados das administrações escolares com seus alunos. Na ocasião, um aluno, na época com 14 anos, foi para a escola armado e atirou contra seus colegas, dois morreram e quatro ficaram feridos.
O suspeito disse à polícia que se inspirou nos massacres de Columbine, nos Estados Unidos, onde 12 pessoas morreram, e no de Realengo, no Rio de Janeiro, com 13 mortos. Segundo o delegado Luiz Gonzaga Junior, ele planejou o atentado por dois meses. O adolescente afirmou em depoimento que havia sofrido bullying e, por isso, decidiu cometer o crime.
Em 2019, Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique Castro, de 25, entraram em uma escola de Suzano, na Grande São Paulo, e efetuaram diversos disparos de arma de fogo no horário de intervalo e acertaram dezenas de pessoas. Oito pessoas morreram, logo depois, Guilherme matou Luiz e, em seguida, cometeu suicídio. Eles eram ex-alunos do colégio.
Segundo as investigações policiais, algumas das razões que levaram ao massacre incluem o bullying, o isolamento social e a aspiração de superar o ocorrido na escola de Columbine, nos Estados Unidos. Os atiradores buscavam ser lembrados pela quantidade de mortes e pelo arsenal utilizado.
De acordo com as estatísticas os estudos de Telma Vinha e Cleo Garcia, do total de ataques registrados, 19 ocorreram em escolas públicas (incluindo uma escola cívico-militar) e quatro em escolas particulares. Para Telma, essa informação confirma que a violência escolar pode ocorrer em qualquer lugar. Além disso, ela acredita que vários fatores indicam que, lamentavelmente, ainda haverá casos desse tipo no futuro.
De acordo com a socióloga Marcela Donini de Lemos, o discurso de ódio disseminado nos últimos tempos, fizeram com que as crianças e adolescentes que vão à escola atualmente tiveram sua subjetividade formada na perspectiva das violências física e verbal.
"O ódio a diversidade, principalmente, tem sido inclusive incentivado por formadores de opinião e agentes governamentais. Os jovens têm como resolução de suas questões a via da violência. O senso comum não se choca mais ao ver brutalidades", afirma.
Ela comenta que um outro fator que fortalece este cenário é o período de facilitação de acesso às armas que houve recentemente.
"Nesse sentido, pode-se dizer que diversas ações governamentais foram tomadas com parâmetros norte americanos ou neoliberais, onde levam em consideração valores individualistas. Assim, as responsabilizações são individuais e não sistêmicas. Quando se pensa em culpabilidade individual, somado ao discurso de ódio e violência, o resultado são jovens sendo responsabilizados de forma individual também", alega.
O processo de desvalorização e sucateamento da escola pública que, segundo Marcelas, faz com que haja um deslocamento da importância da educação básica, onde a educação não garante um futuro digno.
"Muitos jovens veem como exemplo pessoas que ganham muito dinheiro sendo youtubers. A questão é que são casos de exceção, e que em sua maioria já tem uma base material para investir nessa atividade. Na vida real, não se consegue inserção no mercado de trabalho sem o ensino básico. É um jogo de forças discursivo", aponta.
Medidas
Conforme Marcela, medidas estão sendo tomadas pelo governo federal para restringir o acesso a armas de fogo, as quais têm potencial para gerar impactos positivos no combate à violência, embora esses efeitos possam demorar a se manifestar.
Ela comenta também que aprimorar as condições culturais e socioeconômicas das populações pode contribuir para melhorar o sistema de ensino. Em nível micro, as escolas podem realizar campanhas de conscientização junto aos estudantes, abordando temas como bullying e as diversas formas de discriminação.