Histórias de superação são o que não faltam em um país tão desigual como o Brasil, onde muitas pessoas têm que persistir e encarar os desafios do cotidiano para alcançar os seus objetivos. São histórias tocantes, com as quais os leitores e as equipes das redações jornalísticas se emocionam, dados os fatos que pertencem à vida destas pessoas.
A jovem goiana Lana Reis de Souza, de 19 anos, aprovada recentemente em Medicina na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), é um exemplo de resistência e resiliência em toda sua trajetória de vida.
Lana é transexual e vem de uma família humilde, que vive em Itaberaí. Recentemente a estudante perdeu a mãe para um câncer de pulmão, justamente na época em que se preparava para o vestibular. A jovem, que sentiu uma das piores dores que um filho pode sentir, não mediu esforços e se dedicou ainda mais aos estudos, para realizar o sonho da mãe que queria uma filha graduada.
"Desde pequena meu maior exemplo foi minha mãe. Meu pai estava dentro de casa mas não era tão presente, acabei tendo minha criação praticamente toda por minha mãe. Ela era cozinheira e trabalhou em vários lugares, hospitais, escolas, restaurantes e lanchonetes, sempre fez o seu máximo para me dar o melhor", afirma Lana.
Segundo ela, a mãe era sua maior companheira e a que mais a incentivava. "Graças a ela sempre estudei em bons lugares, tive livros e acesso a estudo/informação em geral", ressalta.
Ela conta que por volta dos seus 11 anos começou a questionar seu gênero, e sua mãe foi a maior apoiadora nessa descoberta, lhe ajudando com psicólogo, psiquiatra, endocrinologista e afins, ela estava sempre ali, ao lado da filha.
"Ela se separou do meu pai e eu me mudei para a Cidade de Goiás para poder estudar no IFG. Com a pandemia retornei para minha cidade e tinha decidido morar com ela, mas no começo de 2021 nós descobrimos um câncer de pulmão que tinha se espalhado para outras partes do corpo, infelizmente ela veio a óbito depois de uns 4 meses", relata Lana.
Começava, então um período difícil para a jovem, que, no meio de uma pandemia, com seus objetivos traçados e sua mãe doente, logo caiu em depressão, mas concluiu o segundo ano do ensino médio graças a ajuda de vários professores do Instituto Federal de Goiás (IFG).
Uma garota trans sinônimo de resistência
"Meu sonho desde pequena sempre foi ser médica, minha mãe sempre quis ter uma filha graduada e quando eu falava sobre ser médica e ajudar as pessoas,seus olhos brilhavam. Foi lembrando desse sonho e me apoiando nas memórias de minha mãe que em 2022 comecei a estudar intensamente para os vestibulares e ENEM", lembra Lana.
Lana Reis de Souza (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)
O ano de 2022 taambém não foi fácil para ela, pois o técnico lhe tomava muito tempo, mas mesmo assim a jovem não desistiu e, no seu vestibular de Medicina na UNEB, ela foi aprovada.
É muito gratificante saber que a filha da cozinheira do hospital, vai se tornar médica. Lana Reis de Souza
Perguntada sobre como é ser uma mulher trans de de origem humilde dentro de um curso elitizado, como é a medicina, Lana foi objetiva: "Isso mostra que nós podemos ser quem quisermos e estarmos onde queremos. Independente da sua origem, você deve seguir seus sonhos e não desistir diante dos obstáculos".
Movida a desafios ao longo de sua vida, ela tentou ao máximo lidar com os problemas enquanto estudava para o vestibular.
"Esempre gostei de desafios. Sabia que a chance de passar em Medicina era mínima, mas isso só me dava mais vontade ainda de estudar. Sempre que passava por alguma dificuldade, me focava em pensar que no futuro tudo seria recompensador", afirma.
Pessoas trans infelizmente são forçadas a terem uma atitude maior, mas isso acabou me dando muito mais força Lana Reis de Souza
Lana destaca que, por meio de sua história, ela pode servir de inspiração para demais minorias a realizarem seus sonhos.
"Saber que uma mulher trans está vencendo na vida traz uma representatividade muito grande", ressalta.
As aulas da jovem adulta começam no próximo dia 13 e ela já arrumou um lugar para dividir com outras meninas. Seu ânimo em iniciar essa jornada está estampada em seu sorriso, um símbolo de vitória. Lana afirma, inclusive, em qual área quer atuar.
"Queromuito a área de Oncologia, como acompanhei minha mãe durante a doença, percebi que ter um médico que realmente se importe com o paciente faz toda diferença, sabe? E eu quero ser essa pessoa", afirma.
Sobre o sentimento de alçar novos voos mesmo após a morte da mãe, Lana fala sobre o aprendizado que ela deixou antes de partir.
"Ela estava totalmente certa, a gente tem que aprender a lidar de uma forma leve com os problemas que aparecerem, porque no final sempre dá certo. Se não deu certo é porquê ainda não acabou", afirma.
Por fim, ela deixa um recado para aqueles que pertencem às minorias e sofrem com os julgamentos da sociedade.
"E eu diria para nunca desistir, o preconceito existe mas ele não nos define, somos muito mais do que o julgamento da sociedade. Tendo força e foco, a gente vai longe", finaliza.