Cotidiano

Requião condena encarceramento em massa

Diário da Manhã

Publicado em 29 de dezembro de 2017 às 00:03 | Atualizado há 7 anos

O Brasil disputa com os Es­tados Unidos a posição de país que mais encarcera os seus cidadãos. Os EUA ocupam o primeiro lugar em número de presos. Com 5% da população do planeta, os norte-americanos têm 25% dos presos do mundo (2,24 milhões). A China, com quase cin­co vezes (1,379 bilhão) mais habi­tantes que os EUA (323,1 mihões), tem cerca de metade dos presos (1.657.812), o terceiro lugar fica com o Brasil com 726.712 e o quar­to com a Rússia, com 642.444 pre­sos. Na quinta colocação está a Índia, que tem a segunda maior população do planeta (1,324 bi­lhão), com 418.536 presos.

Para o senador Roberto Requião (MDB-PR), o número de presos no país é desproporcional à popula­ção, e denota mais de um proativis­mo exacerbado do Poder Judiciá­rio, do que pela real necessidade de encarcaramento. Cotado para ser vice na chapa do ex-presidente Lula (PT), o senador paranaense acre­dita que o Brasil deve adotar no­vas formas de lidar com a questão carcerária. Em vídeo divulgado na quarta-feira (27/12), em sua página no Facebook, Requião afirma que o Brasil precisa fazer mudanças para enfrentar o problema do encarcera­mento em massa. O senador lem­bra pesquisa ivulgada no início de dezembro, por meio do Levanta­mento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Minis­tério da Justiça que coloca o Brasil no com a terceira maior população carcerária do mundo (726.712 pre­sos em junho de 2016), .

“Hoje nós temos a superlotação de penitenciárias brasileiras. E figu­ras como o Bolsonaro falam em ma­tar a população mais pobre, outros falam em multiplicar presídios por mil. Quando eu fui governador, eu construí 12 penitenciárias e eu teria a impressão de que teria resolvido esse problema de superlotação car­cerária por 20 anos, mas não… Fica­va pronta uma penitenciária, os juí­zes iam condenando sem nenhum limite, e elas iam lotando imediata­mente, são as tais prisões provisó­rias – pessoas que não foram con­denadas, sem nenhum limite. Tem até um projeto meu tramitando no Senado, pondo um limite para as prisões provisórias”, alega.

LIBERALIZAÇÃO

Requião discute no vídeo expe­riências pioneiras que deram cer­to. Ele acredita que o Brasil preci­sava discutir a liberalização do uso de drogas, para reduzir a massa de encarcerados. “Uma parte do pla­neta já tem resolvido esse proble­ma com a liberação de drogas. Eu estive em Hamburgo (na Alema­nha) e vi a utilização das drogas completamente liberada, o que acaba com o tráfico de drogas, e vi penitenciárias sendo transfor­madas em hotéis temáticos. Quan­do se libera as drogas, você elimi­na naturalmente o tráfico”, aponta.

“Eu não sei se isso seria a solu­ção para o Brasil. Nós temos 204 milhões de habitantes, não temos a população de Hamburgo, e temos a experiência agora do Uruguai, com a liberação da Maconha, pelo Mu­jica (José Mujica, ex-presidente do Uruguai). Mas o Uruguai tem 3,7 milhões de habitantes, não é como o Brasil. Então, eu acho é que nós te­mos de partir para as penas alterna­tivas, a utilização das tornozeleiras, penas educacionais, não adianta es­tar lotando penitenciárias com o pâ­nico dos juízes”, completa.

PORTUGAL

Além das experiências da Ale­manha e Uruguai, citadas por Re­quião, outros países como Portugal contam com experiência exitosa no controle de drogas e redução da en­carceramento. No país de Camões, vigora a Lei nº 30/2000 aprovada em 29 de novembro de 2001, e des­de então, nenhum usuário de dro­gas é preso no país. Quem é flagra­do consumindo ou levando consigo até 10 doses de qualquer droga para consumo próprio não é encarcera­do ou condenado a pagar multa. De acordo com criminalistas, a Lei nº 30/2000 não significa que o uso e a posse de drogas tenham sido le­galizados no país. O que a lei deter­mina é que essa contravenção pas­se a ter caráter social, e não criminal.

Os resultados da descriminali­zação em Portugal foram surpreen­dentes: aumentaram o número de pessoas em tratamento por depen­dência química e reduziu-se o nú­mero de infectados por HIV (aids) por uso inadequado de seringas. Segundo um estudo publicado em 2009 pelo advogado e jornalista americano Glenn Greenwald radi­cado no Rio de Janeiro e adminis­trador do site Intercept, “ao liberar os cidadãos do medo de serem pre­sos por uso de drogas, Portugal au­mentou dramaticamente sua habi­lidade de encorajar dependentes de drogas a recorrerem ao tratamento”.

Segundo o Centro Europeu de Monitoramento para Drogas e De­pendência de Droga (EMCDDA) o uso de drogas na população portu­guesa pode estar em declínio des­de 2007, quando pesquisas relata­vam que 12% dos adultos haviam tido contato com algum tipo de dro­ga, e em 2012, essa porcentagem caiu para 9,5%. Entre jovens adul­tos, a prevalência caiu de 17,4% para 14,5% no mesmo período.

EUA

Nos EUA, mihões de pessoas es­tão cumprindo sentenças de pri­são por crimes como uso de dro­gas e passar cheques sem fundo, que raramente resultariam em en­carceramento em outros países. E, além disso, as sentenças no país se tornaram muito mais longas do que as de prisioneiros de outros países. Criminologistas e estudio­sos do direito em outras nações in­dustrializadas se declaram choca­dos e atônitos diante do número e da duração das sentenças de pri­são que costumam ser aplicadas nos EUA. Boa parte da legislação de tolerância zero às drogas, que causou a superpopulação carce­rária americana, foi aprovada nos anos 1980 e início dos anos 1990, no auge da epidemia de crack no país. Enquanto a população ameri­cana cresceu um terço desde 1980, a população carcerária aumentou 800%. O sistema prisional federal americano trabalha 40% acima de sua capacidade, com algumas pe­nitenciárias superlotadas.

Outro desequiílibrio verificado nos EUA é que a maioria da po­pulação carcerária é composta de afrodescendentes. Os negros repre­sentam 13% da população ameri­cana, mas respondem pela maior parcela dos que estão encarcera­dos, com 36,5% do total. Em cada grupo de 100 mil negros, 2.841 es­tão atrás das grades, mostra análi­se do The Sentencing Project, ins­tituição que defende mudanças no sistema criminal e o fim do en­carceramento em massa. Entre os brancos, a proporção é de 463 em cada grupo de 100 mil.

 

Indústria carcerária

Também preocupa as entida­des de defesa dos direitos civis, a exploração da mão de obra carce­rária nas prisões norte-america­nas. Nas prisões federais e privadas dos Estados Unidos há aproxima­damente 2 milhões de presos. Se­gundo o California Prision Focus, em “nenhuma outra sociedade na história humana se prendeu tan­tos de seus próprios cidadãos”. Es­tudo feito pelo Partido Trabalhista Progressista denuncia que “a con­tratação privada de presidiários para o trabalho fomenta incenti­vos para prender as pessoas. As prisões dependem dessas entradas e os acionistas corporativos que lu­cram com o trabalho dos presos fa­zem lobby a favor das penas mais longas a fim de ampliar sua for­ça laboral. O sistema alimenta a si mesmo, numa imitação da Alema­nha nazista a respeito dos campos de concentração e o trabalho for­çado de escravos”, ataca. De fato, empresas como a IBM, que usa­ram trabalho escravo na Alema­nha Nazista, são uma das que mais contratam presos nos EUA.

Os presidiários dos EUA tam­bém trabalham para call centers. Assim, na prisão Snake River Pri­sion no Oregon, os réus recebiam de 120 a 185 dólares ao mês por trabalhar em tempo integral, con­forme se revelou em 2004. Fabri­cantes têxteis, empresas de tecno­logia, agentes de finanças, assim como companhias de processa­mento de alimentos e de emba­lagens também figuram na lista. Entre as companhias que se vi­ram envolvidas no uso de presos como força laboral pode-se en­contrar Victoria’s Secret e Exmark, que presta serviços à Microsoft.

Os magnatas que investiram na indústria das prisões não precisam se preocupar com as greves ou em pagar o seguro desemprego ou fé­rias. Todos os seus empregados tra­balham em tempo integral, nun­ca chegam tarde ou se ausentam por problemas familiares. Por ou­tro lado, se não aceitarem trabalhar por 25 centavos a hora, são presos na solitária, de acordo com o Glo­bal Research, empresa de telecomu­nicações que está entre as maiores empregadoras de presos nos EUA.

Nos últimos 15 anos, a popu­lação carcerária no Brasil aumen­tou 160%. Requião denuncia, que, assim como nos EUA, “pânico e pressão da mídia, estão prenden­do a rapaziada morena do Brasil e pobre e de repente um rapaz des­ses fica cinco ou seis anos na pe­nitenciária sem ser julgado. E se é julgado um dia, é condenado a uma pena de seis meses, um ano, e já cumpriu cinco ou seis anos de prisão, é uma loucura,” resume.

Além do punitivismo da Lava Jato, entrou na moda a privatiza­ção. Projeto do senador tocantinen­se Vicentinho Alves (PR) propõe a privatização dos presídios, através das PPP´s (Parceria Público-Priva­da). O projeto estabelece a possibi­lidade de empresas privadas cons­truírem e gerirem presídios, tendo como compensação o uso da po­pulação carcerária como mão-de­-obra. Como concessionários do sistema prisional, estas empresas teriam o direito de contratar dire­tamente ou fazer sub-contratação para empresas nacionais e estran­geiras. Estará o Brasil se preparan­do para repetir aqui o modelo de exploração de mão-de-obra pre­sidiária que é feito nos EUA? (Com informações do Estadão, G1, Rede Brasil Atual, Facebook)


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