Nas narrativas sombrias da violência doméstica e sexual, um aspecto muitas vezes negligenciado é o trauma cranioencefálico (TCE). A violência indiscriminada contra mulheres vai além das cicatrizes visíveis, deixando um rastro de lesões internas e consequências invisíveis.
O Diário da Manhã conversou com a neurocirurgiã, Ana Moura sobre os desafios enfrentados por mulheres que sobrevivem às agressões que resultam no trauma, as possíveis lesões pós-agressão e os cuidados necessários para sua recuperação.
"A vítima de TCE pós violência doméstica pode necessitar desde medicações analgésicas para cefaleia crônica, como de cirurgia craniana para evacuação de sangue intracerebral e/ou correção de fratura do crânio", salienta Ana Moura.
Dentre as várias lesões e consequências, estão:
1. Consequências Ocultas:
Sintomas físicos e mentais debilitantes.
Impacto no funcionamento cognitivo e emocional.
Persistência das consequências ao longo do tempo.
2. Lesões Invisíveis:
Lesões axonais difusas.
Hematomas subdurais crônicos.
Danos nos nervos cranianos.
Possíveis complicações a longo prazo.
3. Cuidados Necessários:
Abordagem multidisciplinar.
Apoio emocional e psicológico.
Terapia física e reabilitação.
Necessidade de sensibilidade às necessidades individuais.
4. Prevenção e Conscientização:
Educação sobre sinais de violência.
Promoção de uma cultura de respeito e consentimento.
Acesso a recursos e apoio para sobreviventes.
Investimento em prevenção e conscientização.
Enquanto a violência contra as mulheres continua a ser uma epidemia global, é importante reconhecer e abordar todas as suas formas, incluindo o impacto insidioso do trauma cranioencefálico. Ao fornecer cuidados adequados e apoio às sobreviventes, podemos ajudá-las a se curar não apenas fisicamente, mas também emocionalmente, e capacitá-las a seguir em frente com esperança e resiliência.
Imagem cedida pela neurocirurgiã
Segundo a especialista as lesões provocadas que tiveram o TCE registrado podem ser divididas em estágios, os quais podem ser primários ou secundários, a depender da lesão sofrida pela vítima.
"Lesões primárias resultam da ação mecânica agindo diretamente nos neurônios, vasos sanguíneos e nas células da glia, incluindo fraturas, contusões, laceração de pele, meninge e pares cranianos. Já as lesões secundárias se manifestam dentro de horas há semanas após a lesão e são resultados de processos inflamatórios, neuroquímicos e metabólicos, como hipertensão intracraniana, isquemia, edema, infecção, hematoma extradural, hematoma subdural, fístula liquórica, entre outros."
Sobre o mecanismo de lesão estático, ela destacou: "O acompanhamento multidisciplinar é essencial, envolvendo pelo menos o neurologista/neurocirurgião, psiquiatra e psicólogo. Sintomas como cefaleia intensa, tontura, depressão, irritação, entre outros, devem ser monitorados de perto, sendo a abordagem da dor realizada com medicações, hábitos de vida saudáveis, psicoterapia e retirada do agente estressor da proximidade."
"A prevenção e tratamento das úlceras de pressão são fundamentais", enfatizou a médica. "Isso inclui identificar os fatores de risco, orientar quanto aos cuidados com a pele, evitar arrastar durante a mudança de posição, utilizar colchões redutores de pressão, entre outras medidas."
Ana Moura ressalta que os neurocirurgiões tem buscado uma abordagem colaborativa e compassiva. Para que essa colaboração entre os profissionais possa permitir cuidados mais abrangentes às vítimas, e que o atendimento seja mais sensível as necessidades inerentes das mulheres agredidas.
Segundo a neurocirurgiã há estudos que permitem compreender melhor os casos de TCE pós agressão e melhorar a prevenção às vítimas nestes casos.
"Há uma série de estudos em andamento para ampliar a compreensão e melhorar a prevenção, diagnóstico e manejo dos casos de TCE pós-agressão contra mulheres. Esses estudos visam identificar fatores de risco específicos, melhorar a precisão diagnóstica, avaliar a eficácia de diferentes protocolos de tratamento e compreender os impactos sociais e psicossociais a longo prazo desses traumas. A pesquisa é fundamental para avançar no conhecimento e nas práticas relacionadas ao tratamento desses casos."