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CULTURA

O último sol de Eldorado dos Carajás

Dizem que os conflitos da humanidade surgiram no momento em que o primeiro homem cercou um pedaço de terra e falou que era propriedade do mesmo. Por séculos os povos se mataram pelo controle e posse da terra. Eis que chega o estado democrático de direito e garante, entre outras coisas, o direito à terra, para quem nela trabalha. Porém, o direito à propriedade e à lei do dinheiro manda mais do que qualquer outra escala de valor humana.

Foi em meados dos anos 90’, em um lugar esquecido por Deus, pelos governantes e só lembrado por grandes latifundiários, mineradores e pelo camponês pobre: o sul do estado do Pará. Conhecido pela sua imensidão, povoado até a atualidade por índios, quilombolas e dominado por grandes fazendeiros e jagunços. Uma verdadeira terra sem lei. Afirmação seria verdadeira, porém a lei existe e é fortemente aplicada, principalmente quando é conveniente a lei do mais forte.

Caminhando

No dia do massacre, cerca de 2.500 sem terra estavam no sétimo dia de uma marcha que deveria ir até a capital do Pará, Belém, começada no dia 10 de abril.

A marcha era um protesto contra a demora na desapropriação de uma área que eles ocupavam na Fazenda Macaxeira, em Curionópolis. Seguiria de Curionópolis até a capital pela Rodovia Estadual PA-150 (hoje Rodovia Federal BR-155), que liga Belém ao sul do Estado.



O protesto atraía a imprensa e preocupava os fazendeiros da região, que se uniram para pressionar o governo.

O então governador Almir Gabriel, do PSDB, e seu secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, acabaram ordenando que a polícia parasse a marcha a qualquer custo. E o custo foi alto, doloroso e covarde.

O massacre


E foi no trecho de uma rodovia, em um lugar que ficou conhecido como a Curva do S, no dia 17 de abril de 1996, na cidade de Eldorado dos Carajás, sul do Estado do Pará, que a PM do estado promoveu um massacre contra camponeses do MST, matando pelo menos 21 pessoas.

Sob o comando do coronel Mario Colares Pantoja e do major José Maria Pereira de Oliveira, por volta das 17 horas daquela tarde sangrenta, os 155 policiais envolvidos abriram fogo com espingardas, fuzis e semi metralhadoras contra os trabalhadores. Entre os 21 mortos, alguns apresentavam marcas de pólvora em volta dos furos das balas, indicando tiros à queima roupa. Outros foram mutilados com facões e foices.

Além dos 19 mortos daquele dia, outras três pessoas morreriam em consequência dos ferimentos sofridos durante o massacre. Ao todo, 69 pessoas ficaram feridas. Muitos convivem com balas alojadas no corpo até hoje, além do trauma e da perda de familiares e companheiros de luta.

O comando da operação estava a cargo do coronel Mário Colares Pantoja, que foi afastado, no mesmo dia, ficando 30 dias em prisão domiciliar, determinada pelo governador do Estado, e depois liberado. Ele perdeu o comando do Batalhão de Marabá. O ministro da Agricultura, Andrade Vieira, encarregado da reforma agrária, pediu demissão na mesma noite, sendo substituído, dias depois pelo senador Arlindo Porto.

Uma semana depois do massacre, o Governo Federal confirmou a criação do Ministério da Reforma Agrária e indicou o então presidente do Ibama, Raul Jungmann, para o cargo de ministro. José Gregori, que na época era chefe de Gabinete do então ministro da Justiça, Nelson Jobim, declarou que “o réu desse crime é a polícia, que teve um comandante que agiu de forma inadequada, de uma maneira que jamais poderia ter agido”, ao avaliar o vídeo do confronto.

O então presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que tropas do Exército fossem deslocadas para a região em 19 de abril com o objetivo de conter a escalada de violência. O presidente pediu a prisão imediata dos responsáveis pelo massacre.

Memória


Após o massacre, o dia 17 de abril passou a marcar o Dia Mundial da Luta pela Terra. A Fazenda Macaxeira, cujo dono foi um dos mandantes da matança, foi desapropriada finalmente e hoje abriga o assentamento de nome: 17 de Abril.

O Monumento Eldorado Memória, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para lembrar as vítimas do massacre dos sem-terra, inaugurado no dia 7 de setembro de 1996, em Marabá, foi destruído dias depois. Um dos líderes dos sem-terra do Sul do Pará afirmou que a destruição foi encomendada pelos fazendeiros da região. O arquiteto disse que já esperava por isso. “Aconteceu o mesmo quando levantamos o monumento em homenagem aos operários mortos pelo Exército na ocupação da CSN, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro”, comentou.

Porém, eventualmente 19 árvores mortas, uma para cada vítima, foram encontradas e dispostas formando o contorno do mapa do Brasil. Assim, em abril de 1999, na curva do S, local do massacre, mais de 800 sobreviventes construíram um monumento em homenagem aos 19 sem-terra mortos. O trabalho foi denominado de “As castanheiras de Eldorado dos Carajás”.

No centro do monumento, abaixo dos troncos das árvores, foi colocado um altar, intitulado pelos militantes de Altar de Protesto, uma espécie de tronco de castanheira cercado por 69 pedras pintadas de vermelho. No altar está cravada uma placa, com o nome dos 19 mortos no dia 17 de abril de 1996, como forma de homenagem.


O Sonho e o Tempo

(Ademar Bogo)

O sonho se fez tempo

Plantado sobre a teimosia que se fez berço

Para dar vida ao guerreiro que decidiu nascer.

São quinze anos de tempo e mais de sonhos

Que a voz do povo buscou chamar a terra

E se fez força da paz fazendo guerra.

Batalhas marcam os dias

Os livros marcam a história

Os hinos as alegrias.

O pranto também faz parte desse longo caminhar

Cumpre o papel de regrar o sinhô tão valente

De quem acreditou que plantando sangue renasceria

E em cada passo que o povo daria…

Nas vitórias viveria eternamente

E a terra feito um lençol macio se estende

Oferecendo seu colo umedecido

Ainda expondo os destroços da última batalha.

Mas isso é seguir em frente e querer mais

Forjar novas gerações

Mesmo que custe sacrifício às atuais.

E os olhos do sol se abrem para fazer amanhecer

Nas quatro pontas do eito empoeirado

Com marcas de latifúndios entocaiados

Erguem-se homens, mulheres e meninos

Riscando com um sopro a linha do destino

E marcam as próprias mãos

Com calos que lhe dão dignidade

É a terra que resgata o ser humano

Plantando na consciência

Coragem e resistência

Para fazer nascer a solidariedade

E os mantos de lonas escaldantes

Se desenrolam para formar cidades

Sem muros nem dor da gente errante

Cada qual desenhando seu lugar

Deixando a porta aberta para a linha do horizonte

Onde está a bandeira envaidecida

Chamando com sua dança para seguir adiante

Agora sobre a terra escrevem-se com enxadas

Palavras que formam fartura e unidade

Não haverá mais fome nem tristeza

O vale ressecado volta a ter beleza

E a voz entoa louvando a liberdade

Os lábios sorridentes deixam cair a saliva adocicada

Misturada com o caldo da cana que escorre tão perfeito

Não haverá outras faces mais felizes

Do que estas penetradas de valores com raízes

Que nascem da alegria do coração

Do sonho e da paixão

Que cada um de nós

Planta em nosso peito.

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