Os bons artistas, aqueles que ficam marcados na história, sempre são lembrados não só pelo trabalho em si, mas no momento do tempo e espaço em que a obra insurge, entra em erupção.
Poderíamos lembrar aqui meia duzia de nomes que participaram ativamente e forjaram no imaginário coletivo as imagens da contra-cultura, o sarcasmo de Maio de 68 ou as indiretas rabiscadas durante a ditadura militar brasileira.
E os novos nomes nacionais que vêm se destacando nas charge e nos quadrinhos vêm imergindo de novas plataformas e conceitos ideológicos, estéticos e localidades. O que antes era concentrado nos veículos de comunicação padronizados e somente dentro do eixo Rio/SP, se alastrou por toda parte, onde exista um artista que sente a necessidade de contrapor com seu trabalho, a expressividade motivadora: indignação e consciência.
Talvez o momento atual, de forte efervescência política, principalmente no que cabe as mobilizações sociais esteja muito próximo, para que enxerguemos a amplitude da situação. Certamente está sendo construído dia após dia, greve após greve, ocupações, manifestações e atos de rua um marco na história nacional.
Dentro desse cenário de chamas, que explodiu em fogo no que ficou conhecido como as "Jornadas de Junho de 2013", um dos que melhor explicita e ilustra esse momento é o chargista Vitor Teixeira. O rapaz, de 28 anos de idade, desenha desde pequeno, porém, foi no inflamante mês de junho de 2013 que o mesmo se afirmou enquanto cartunista.
"Sem rebeldia, sem indignação, sem questionamento, não surte efeito"
Em entrevista para o DMRevista, Vitor afirma que sempre viu, gostou e consumiu arte, principalmente na área da charge e que diversos nomes o influenciaram, "Atualmente tenho devorado o trabalho do Robert Crumb", comenta.
A obra de Vitor Teixeira é marcante pelos traços, praticamente todas são feitas com linhas grossas e em preto e branco, com figuras expressivas e cheias de detalhes. Mas além da estética, a temática do cartunista é o que mais salta aos olhos: "Minhas pautas são ligadas à luta popular. Atualmente tenho me focado na colaboração à frente dos trabalhadores contra a precarização do trabalho através da terceirização", afirma o autor.
Como um artista que tem como principal meio de divulgação e plataforma de publicação a internet, principalmente as redes sociais, um tema recorrente a obra do mesmo são as "críticas à mídia corporativista e à maneira como ela colabora com o golpismo, o ódio e a desinformação", completa.
Em uma análise mais abrangente do próprio trabalho termina dizendo que: "Estou junto daqueles que não acreditam no capitalismo como caminho e que através do poder popular caminham no sentido oposto do senso comum", declara.
Quando a criatividade, se aplica a técnica e qualidade rapidamente se torna referência. Atualmente a página do artista no Facebook conta com mais de 70 mil curtidas, espalhadas por internautas de todo o Brasil e mesmo do exterior. Vitor conta que começou a movimentar a page de forma despretensiosa, postava os desenhos sem esperar nada em troca.
"Eu enviava as charges por inbox para meios de comunicação alternativos. Até que em junho de 2013, em meio às manifestações, uma delas teve grande alcance, e aí meu trabalho começou a ser reconhecido", lembra o desenhista.
Com esse grande alcance, sendo compartilhado diariamente por milhares de pessoas, várias postagens geram polêmicas, mas segundo Vitor, o feedback no geral é positivo. "Muito apoio e só algumas ameaças de trolls virtuais."
Recentemente com a polêmica a cerca dos "Gladiadores do Altar" um tipo de exército criado pela Igreja Universal do Reino de Deus. O grupo dos gladiadores ficou famoso após um vídeo que mostra vários homens marchando, como se fossem um exército, o que daria margem para ser interpretado como uma organização paramilitar, que foi inclusive alvo de investigação do Ministério Público.
Em uma charge sobre o tema, Vitor retratou um gladiador romano com a blusa da Universal, assassinando uma mãe de santo, em referência aos constantes ataques promovidos pelo pastor Edir Macedo às religiões de matrizes africanas. "Eles não gostaram do meu desenho, acharam que eu estava incitando ódio religioso, e pediram pra que eu retirasse, senão me processariam. Interpreto isso como uma ameaça, uma espécie de censura", comentou o cartunista sobre a coação feita de forma extrajudicial.
Vitor Teixeira atualmente é um dos chargistas mais conhecidos nacionalmente, podendo ser comparado em alcance ao Carlos Latuff e até mesmo outros clássicos, como a Laerte e o Angeli. Já no fim da entrevista ele deixa uma dica para os desenhistas, que gostariam de atuar na área: "Estudar bastante, buscar caminhos alternativos para realizar seu trabalho e não esperar retorno financeiro imediato", completou.
Em última análise, a obra de Vitor Teixeira é certamente marcante, forte e carregada de ideologia. Para o cartunista a arte tem muita importância, enquanto instrumento de transformação e consciência social. "Mas tem que ser transformadora, tem que confrontar, subverter regras, verdades. Sem rebeldia, sem indignação, sem questionamento, não surte efeito."
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