O humor ingênuo e certeiro de Amácio Mazzaropi
Nascido em São Paulo, no ano de 1912, há exatos 103 anos, Amácio Mazzaropi, nome amplamente popular entre os avôs e bisavôs, fugiu de casa aos 16 anos para acompanhar o circo. Palhaço de formação, aprendeu cedo a lidar com a sede de risadas do público e a desenvolver personagens cativantes. Sua longa trajetória no cinema é composta por 32 filmes. Antes de ir para as telonas, também teve a proeza de ser o primeiro humorista a se apresentar na televisão, no dia da inauguração da mesma no Brasil.
Pouco comentado pela crítica especializada de sua época, nos últimos anos vem sendo redescoberto por observações que não eram tão evidentes na truculenta época política em que ele escolheu para fazer humor, em contraste Ás inúmeras críticas à ditadura militar. Através do trabalho do artista, não estamos sujeitos apenas a essas doses comédia, mas a um contato com cultura caipira, sotaques, objetos e cenários: todo um estilo de vida registrado em filme.
Ídolo unânime do humor popular por três décadas, Mazzaropi enchia as salas de cinema das cidades que recebiam seus filmes através da figura do Jeca, encarnada por um sujeito caipira banhado à esperteza, que vivia os contrastes da modernização industrial do país, e que conseguia se sobressair pela simplicidade aos cruéis vilões da desonestidade. Era um herói simples e resmungão. Comédia rústica mesmo. Feita para o amplo público que deixava sua vida rural em busca do fluxo de vida da idealizada cidade grande e “moderna”.
Contexto
Década de 1950. A época em que Mazzaropi teve a oportunidade de mostrar seu trabalho ao mundo através do cinema foi bastante propícia ao seu sucesso. Uma sociedade caipira muito forte estava formada principalmente nos interiores do Sudeste e Sul do Brasil. Essa população estava organizada por fortes núcleos familiares, que começavam a se desmembrar. Suas células eram enviadas para as grandes cidades, em busca da criação de um país maduro estruturalmente.
O sentimento de saudade da terra e o contraste com os “urbanos nativos” moviam multidões para os cinemas que estrelavam Mazzaropi. As pessoas queriam se adaptar ao novo estilo de vida, mas ao mesmo tempo sentiam falta da referência heroica de origem caipira que os motivasse a vencer os obstáculos de prédios. Na época, a produção cinematográfica se concentrava no Rio de Janeiro, com as chanchadas. Oscarito e Grande Otelo estavam no auge, e seriam a concorrência cheia de malandragem urbana ao Jeca.
Artista de sucesso em várias áreas, antes de ir para as telas do cinema, Mazzaropi foi eleito para o pretenso projeto da Vera Cruz filmes de criar um centro de produção cinematográfica em São Paulo. Como ele já era conhecido pelos trabalhos em circo, rádio, teatro e televisão, a exploração de seu talento e empatia com o público nos filmes parecia uma aposta certeira. E foi.
Em 1952 os cinemas recebiam seu primeiro filme: Sai da Frente, que conta a história de Isidoro, representado pelo tradicional Jeca de Mazzaropi, junto ao seu caminhão “de estimação” e ao seu cachorro chamado Coronel, em uma missão de transporte de móveis. No caminho, inúmeras situações cômicas se desenvolvem, como o encontro com uma noiva fugitiva. Junto com a Vera Cruz, Mazzaropi estrelou nove filmes.
Produção Própria
Após o lançamento do filme Chico Fumaça, de 1958, Mazzaropi decidiu investir em sua própria produtora de filmes. Assim como fazia todas as vezes que resolvia mudar de área, o artista decidiu vender boa parte de seus bens para criar uma estrutura que possibilitasse que ele produzisse por conta própria. Comprou equipamentos, recrutou elenco e decidiu se aventurar nessa nova jornada.
A PAM Filmes, abreviação para Produtora Amácio Mazzaropi, foi um ato de pioneirismo do artista, que desenvolveu a partir de sua experiência na Vera Cruz, além de sua técnica teatral, uma maneira bastante particular de produzir filmes. O cinema de Mazzaropi se diferencia bastante de qualquer outro tipo de produção do país, e foi inegavelmente um sucesso de público. O primeiro filme, Chofer da praça, saiu em 1958.
Apesar da vasta produção de Mazzaropi, e dos expressivos números conseguidos por ele em bilheterias de cinema, pouco se encontra sobre ele, hoje em dia, em listas de críticos de cinema que citam filmes e realizadores importantes para o cinema nacional. Essa foi uma das maiores mágoas do artista, que morreu no ano de 1981, vitima de um câncer que tinha há mais de cinco anos, mas que só veio a descobrir quatro meses antes de falecer.
A partir do atual momento histórico que busca cristalizar as origens do cinema nacional, principalmente pela facilidade de divulgação que a internet permite, começa a falar-se de Mazzaropi em ambientes antes restritos a ele, como artigos acadêmicos e mostras te teor Cult.
Apesar das mágoas, a verdade é que seus filmes não estavam aí para satisfazer os anseios intelectuais dos críticos de cinema da época. Esses estavam muito bem abastecidos pelo recém-nascido Cinema novo, de nomes como Glauber Rocha e Nelson Pereira do Santos, e dramas monumentais carregados de reflexões sobre o cotidiano urbano como São Paulo, Sociedade Anônima. Para Mazzaropi só cabia a empatia com o público. O fazer-rir. Junto, é claro, com moderado primor estético que o financiamento de suas obras era capaz de oferecer.
Sucesso
Um dos líderes em bilheteria no país, Mazzaropi figura em praticamente todas as listas que relatam a expressividade cinematográfica de artistas da época, sendo um dos primeiros artistas de São Paulo a emplacar no formato filme. Segundo o artigo “As 50 maiores bilheterias do cinema brasileiro”, lançado ainda no século XX, da crítica de cinema Maria do Rosário Caetano. Dois filmes: Casinha Pequenininha e Jeca Tatu estão empatados em segundo lugar, com 8 milhões de ingressos vendidos cada. Os filmes só ficam atrás de “Dona Flor e seus dois maridos”, lançado na década de 1980.
Um dos biógrafos do artista, Paulo Duarte, afirma que o sucesso financeiro de Mazzaropi com seus filmes foi maior até do que o artista admitia na época. “Mazzaropi ficou bilionário fazendo cinema no Brasil. Mas ele negava isso por medo de ser assaltado". O biógrafo também coloca que a pessoa de Mazzaropi era bem diferente do personagem conhecido de seus filmes. “Na verdade, o personagem era um caipirão, mas ele mesmo não. Vestia-se bem, era vaidoso, estava sempre de terno e gravata. Usava até smoking”.
Entre os títulos mais bem-sucedidos sob comando do comediante, estão as produções O jeca macumbeiro, de 1975; Jeca contra o capeta, de 1976; Jecão, um fofoqueiro no céu, de 1977. Todos eles foram dirigidos por Mazzaropi em parceria com Pio Zamuner e conseguiram atingir mais de três milhões de espectadores. Um caipira em Bariloche; A banda das velhas virgens; Portugal, minha saudade e O Jeca e a Égua Milagrosa são outros sucessos que ultrapassaram a marca de um milhão de pessoas a assistir nos cinemas.