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CULTURA

A fronteira imperceptível entre fantasia e realidade

O nascimento do cineasta Luis Buñuel, o mais velho de sete crianças, deu-se em uma aldeia espanhola chamada Calanda, na região espanhola de Aragão. Era 22 de fevereiro de 1900. Buñuel viria mais tarde a chamar seu local de nascimento de “um resquício da idade média até a Primeira Guerra Mundial. Durante a juventude, permutou por três graduações na Universidade de Madri:agronomia, engenharia industrial, e finalmente, a filosofia. Lá teve contato com importantes artistas do novo movimento cultural da espanha. Buñuel morreu aos 83 anos, na cidade do México, em 1983.

Salvador Dalí, pintor surrealista, com quem viria a trabalhar em dois filmes mais tarde, e o poeta García Lorca, frequentavam o mesmo ambiente. Buñuel creditaria boa parte de suas descobertas juvenis ao poeta García Lorca, mais tarde, em sua autobiografia. “Gostamos um do outro instantaneamente, pois sabiamos que tínhamos algo em comum. Passamos a maior parte de nosso tempo juntos. Costumávamos passar tardes sentados na grama, e ele lia-me seus poemas. Ele lia de forma lenta e bonita, e através dele passei a descobrir todo um novo mundo”.

Durante sua juventude, Buñuel insistia em assistir uma grande quantidade de filmes, em busca do potencial de hipnose que essas produções tinham segundo ele. Em sua autobiografia, entitulada O último suspiro, ele descreve suas primeiras impressões sobre o cinema, durante seus anos de universitário. “O tipo de hipnose cinematográfica está ligado, sem dúvidas, à escuridão da sala de exibição, bem como às rápidas mudanças de cena, luzes e movimentos de câmera, que enfraquecem a inteligência crítica do espectador e cria sobre ele uma espécie de fascinação”.

O filme responsável por despertar definitivamente o interesse de Buñuel à produção cinematográfica saiu em 1921. O filme A Morte Cansada, do diretor alemão Fritz Lang, que traz uma representação personificada da Morte, que cria um muro ao redor de um cemitério. Sobre a capacidade de criação do filme, Buñuel comentou que “Eu saí do Vieux Colombier [sala de exibição] completamente transformado. Imagens poderiam e conseguiram transformar-se em signigicados verdadeiros de expressão. Decidi dedicar minha vida ao cinema”.

Paris

Em 1925, Luis Buñuel muda-se para Paris, onde começou a trabalhar como secretário de uma organização chamada Secretatia Internacional de Cooperações Intelectuais. Seu interesse por cinema levava-o às salas de exibição frequentemente, o que fez com que ele conhecesse pessoas influêntes em sua área de interesse. Na capital francesa daria origem a seu primeiro grande feito, também considerado uma das maiores inovações cinematográficas da era do cinema mudo. O cão andaluz foi escrito em parceria com o pintor surrealista Salvador Dalí, e ficou pronto em 1929.

Segundo o diretor, a proposta ia além de fazer um material meramente intelectual. A intenção de Buñuel era chocar a burguesia intelectual da época, que se dizia experimental, como ele explica na publicação Making of de Um cão andaluz. “Historicamente, o filme representa uma reação violenta contra o que naqueles dias era chamado de ‘avant-garde’, que destinava-se exclusivamente à sensibilidade artística e a reação do público”. Dalí e Buñuel tomaram os mistérios dos sonhos como base para a criação de Um cão andaluz.

“Sonhei noite passada com formigas ao redor de minha mão”, disse Dalí à Buñuel. “Já eu sonhei que estava cortando o globo ocular de alguém”, disse Buñuel em resposta à Dalí. Uma breve audiência do filme pode comprovar que muitos elementos aparentemente inexplicáveis encontram frissons oníricos para legitimaresm seus significados. Isso de fato chocou a sociedade francesa, e fez com que muitos artistas se inspirassem em realizar produções surrealistas. Ainda hoje o filme é considerado um marco para o cinema, e é exibido em sessões de iniciativa cult e em universidades como objeto de estudo.

A parceria segue até A idade de Ouro, lançado na década de 1930. Foram contratados por Marie-Laurie and Charles de Noailles, que eram donos de uma sala de cinema. Considerado ousado, o filme faz associação entre Jesus e o escritor Marquis de Sade. O filme foi tirado de cartaz em 1934, depois dos Noailles terem sido excomungados pela igreja católica em razão da ‘blasfêmia’ apresentada pelo filme, que só voltou a ser visto em 1979. Segundo o site Film Reference, a parceria acabou por desentendimentos políticos entre Buñuel e Dalí, que eventualmente defendia o ditador Francisco Franco, e pretendia apenas causar escândalos com fezes e anticatolicismo, enquanto ele vislumbrava o enfraquecimento das instituições da burguesia.

México

O historiador de cinema Carl J. Mora faz uma revisão do impacto do filme Os Esquecidos, lançado no México em 1950. O filme causou grande impacto na mídia mexicana, é é considerado um dos melhores da carreira de Buñel. “Os Esquecidos visualizou a pobreza de um jeito radicalmente diferente das formas tradicionais de melodramas mexicanos. As crianças de rua de Buñuel não são enobrecidas por sua luta desesperada pela sobrevivência. Elas são de fato predadoras implacáveis, que não são melhores que suas vítimas igualmente desromantizadas”.

O lançamento do filme Os Esquecidos, de 1950, quebra vários estereótipos do melodrama mexicano, principalmente pela influência do realismo na construção da personalidade dos personagens, que não eram inflados com significados simbólicos, mas que tinham indícios do que se via fora dos núcleos burgueses da cidade do México. Tratava-se de cinema realista, que bebe da fonte original de reprodução do imaginário de uma grande cidade e não se comporta de forma propagandista ou populista, com apelo para epopeias heroicas para lotar bilheterias.

Em 2003, o filme foi considerado pela Unesco como “o mais importante documento em espanhol sobre as vidas marginais de crianças em cidades grandes da contemporaneidade”. Na publicação Havard Film Archive, da Universidade de Havard, dos Estados Unidos, a fase mexicana de Luiz Buñuel é definida como um período de “busca pela profundidade filosófica e poder de seu cinema, oferecendo uma meditação de ideias sustentadas em religião, diferenças de classe, violência e desejo.

Dentre os temas abordados por Buñuel no México, entre as décadas de 1950 e 1970, estão os efeitos destrutivos do machismo desenfreado, a indefinição de fantasia e realidade, o estado perturbador de mulheres em uma cultura dominada por homens, o absurdo da vida religiosa, patologia sexuais. Em 1962, o filme O anjo exterminador chamou a atenção pela sensação de desconforto irreal criada no enredo do filme, que mostra vários personagens da alta classe em uma festa de mansão, que misteriosamente perdem a capacidade de deixar o ambiente após o fim do evento.

Últimos trabalhos

O charme discreto da burguesia, de 1972, inalgura uma série de três últimos filmes de Buñuel na frança, todos bem-sucedidos às críticas na mídia, e hoje considerados clássicos da época no cinema. Conta a história de um grupo de amigos ricos que nunca conseguem cumprir a básica missão de ter uma refeição juntos. O filme venceu o Oscar de melhor produção estrangeira no ano. No embalo do sucesso, Buñuel decidiu produzir O fantasma da liberdade, que ficou pronto dois anos depois. O filme também foi considerado insano: trazia vários episódios ligados por um dos personagens.

Joaquim José, em comentário à rede social voltada para o cinema Filmow, escreve a respeito de O fantasma da liberdade. “Um panorama irônico e corrosivo do “homem civilizado” orquestrado por Buñuel. O filme dirige sua pontaria para as instituições e seus absurdos, como a família, a igreja, a polícia, o sistema judiciário. Com cenas onde acontece o que não se espera, que ficam entre o concreto e o surreal, O fantasma da liberdade torce e retorce concepções estabelecidas, convidando-nos a olhar a sociedade além de seu aspecto necessário ou daninho: vemos o próprio delírio (ou a “lógica do sonho”) estabelecer-se nas ruas, delegacia, escola ou residências”.

A ideia de usar duas atrizes no mesmo papel, fato que chamou a atenção do público no filme Esse obscuro objeto de desejo, foi explicada por Buñuel como uma solução para que um dos produtores do filme, que havia desentendido-se com a atriz Maria Schneider (O último tango em Paris) pelo resultado do uso contínuo de drogas em sua atuação no filme, não abandonasse o projeto. Buñuel só chegou a essa ideia depois de ter tomado dois copos de Dry Martini. Mais tarde, em sua biografia, ele lembrou de mencionar o álcool como responsável por grandes avanços em seu processo criativo. “Se eu tivesse que listar todos os benefícios trazidos pelo álcool, essa lista seria infinita”.

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