No último dia 5 de agosto, o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, escritor Geraldo Coelho Vaz, inaugurou em frente à sede dessa instituição o monumento que contém dois rolos compressores utilizados no asfaltamento de Goiânia.
São rústicos, enormes cilindros de concreto jungidos a uma grade móvel, algo que mistura tecnologia moderna com a antiquíssima tradição dos carros de bois. Na foto que os mostra em serviço, vê-se ao fundo o prédio em construção de uma das secretarias do governo, na Praça Cívica; em frente, o inacabado Palácio das Esmeraldas. No leito da rua, a traquitana é puxada por duas juntas de bois. A comandar o espetáculo, a figura de um carreiro – ou seria um candeeiro? Ou um operário?
Na atualidade, começa a ser escrita a história do esforço conjunto de dirigentes e populares na epopeia de Goiânia. A versão oficial privilegia, contudo, o sucesso político-administrativo do empreendimento; mas pouco diz sobre o cotidiano da construção física da cidade, desafio que se afigurava gigantesco dadas as carências da época.
É possível imaginar-se os momentos iniciais da urbe que se erguia no interiorzão do Brasil – com ares cosmopolitas, segundo o Plano Diretor de Atílio Correia Lima, que se atualizara em Paris com o que havia de mais avançado no urbanismo e na arquitetura. Na nova capital de Goiás, desejava-se reproduzir algo do classicismo francês e das cidades-jardins, com o charme do “art déco” – e tudo isso com quase nenhum dinheiro em caixa.
Também não havia mão de obra qualificada, nem materiais atualizados, nem operários treinados. Foi preciso importá-los: do mestre de obras ao oficial pedreiro; do azulejo ao azulejista; da fiação básica ao eletricista e assim por diante. Rejeitava-se, como obsoleta, a arquitetura vernacular dos antigos núcleos de mineração: nada de pau-a-pique, nem adobes, nem pedras tapiocangas, nem tijoleiras, nem “casinhas” nos quintais. Tinha-se por objetivo alcançar a modernidade na cidade, suas vias e praças, assim como no interior das casas e dos estabelecimentos comerciais e industriais.
Buscavam-se soluções mediante improvisações. No chão bruto do Cerrado rasgaram-se ruas e avenidas, a terra vermelha contrastando com o verde da vegetação nativa. Tudo era desafiador – mas as metas a alcançar estavam traçadas e eram buscadas sob a liderança carismática e obstinada do interventor Pedro Ludovico Teixeira.
Como as trilhas primitivas, as vias urbanas da jovem capital refletiam as variações do clima: na estação das águas, lamaçais esburacados; na estação da seca, ressequidas “costelas de vaca”. Fazia-se necessário pavimentar ao menos parte da nova capital – e fazê-lo com pavimentação asfáltica. Algo inédito em Goiás.
Os rolos compressores ora erigidos em monumento trazem a inscrição “1938”. Um deles foi doado ao Instituto Histórico e Geográfico pelo ex-prefeito de Goiânia Mário Roriz Soares de Carvalho, que o trouxe de sua chácara – recolhido que fora por seu pai, Ismerino Soares de Carvalho, também ex-prefeito da capital.
O outro foi descoberto pelo pesquisador e historiador José Mendonça Teles, em um “lixão” do Bairro Feliz, nas imediações da linha férrea. Permaneceram ambos sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, até que foi possível erguer o monumento que ora os reúne, viabilizado pela iniciativa do presidente Geraldo Coelho Vaz e do escritor e publicitário Iuri Rincón Godinho.
Como todos nós sabemos os monumentos “falam”, desde que adequadamente questionados. De onde as perguntas: onde e por quem tais rolos foram idealizados e feitos? Quem terá sido o projetista da insólita traquitana puxada por juntas de bois? Relativamente à pavimentação asfáltica, também há muito o que saber: se existiu, onde funcionava a usina de asfalto naqueles idos tempos? Como chegavam ao canteiro de obras o petróleo bruto, o maquinário e os equipamentos? A quem pertenciam os bois que mansamente puxavam a “máquina compressora” mostrada na foto histórica? Quem os tocava?
Parabéns ao Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, pela iniciativa de perpetuar o sentido pioneiro da construção de Goiânia, com a valorização histórico-cultural dos rolos em questão. Aos jovens historiadores, sugiro que a completem: perscrutem documentos, fotos, reportagens, anotações e memórias para que tais artefatos digam o que têm a dizer.
(Lena Castello Branco, escritora)