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CULTURA

Cerco contra o machismo

O assunto tem dominado as redes sociais nos últimos dois dias, e vem gerando grandes discussões. O enunciado apresentado na prova de redação do ENEM, que pedia um texto sobre ‘A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira’, foi visto como motivo de comemoração para uns e de revolta para outros. Muito tem se falado sobre a ‘Teoria de Gênero’ e sobre a citação da filósofa e feminista francesa Simone de Beauvoir, no enunciado de uma questão de humanas do exame.

“O melhor jeito de acabar com a violência é a roupa estando lavada e dobradinha dentro do armário e a comida pronta na mesa na hora certa”. Esse trecho foi extraído da foto de uma folha de redação do ENEM. Ele tem circulado na internet, assim como discursos do tipo, e vem causando indignação. Da para ter uma ideia, a partir dessa citação, do tipo de coisa que deve ter sido escrita nas mais de sete milhões de provas aplicadas nesse fim de semana.

Muitos vestibulandos e comentaristas de facebook diminuíram a importância das mulheres, do movimento feminista e das conquistas diante das desvantagens impostas a elas simplesmente por um motivo: não serem homens. São assassinadas, assediadas, ganham salário menor e são desrespeitadas no dia a dia (homens que se sentem no direito de se afirmar sexualmente a desconhecidas na rua e no ônibus é algo muito recorrente).

Muitas mulheres são ainda mais bombardeadas com desrespeito se enfatizam a desigualdade, e são acusadas de vitimismo. Mesmo diante de tantas evidências de que as mulheres têm suas existências limitadas pelo machismo, houve quem falasse que o tema da redação foi uma tentativa de lavagem cerebral ideológica e doutrinação do governo. Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano, políticos conservadores, são exemplo.

São políticos que tentam promover as carreiras diante de qualquer fato. Independente do que digam, importam-se, primeiramente, com o sucesso nas urnas, e não com a violência à mulher. O complicado é a quantidade de seguidores dessas figuras e a importância que dão a esses discursos. A própria presidente Dilma, via twitter, também fez questão de vincular a escolha da proposta com sua imagem, mesmo não tendo nenhum envolvimento direto em sua elaboração.

Apesar de considerar uma porta para a discussão dos direitos da mulher, a estudante Giovanna Rosa relembrou aspectos duvidosos do exame. “Em maioria, os alunos que conseguem passar em alguma faculdade, são de classes mais favorecidas e são treinados desde novos a responder o que as provas pedem, independente do caráter dela”. Ela disse ainda não acreditar que a prova em si diminua o machismo nas universidades. “A ideia do ‘machistas não passarão’ soa muito inocente pra mim, pois a pessoa pode fazer um texto muito coerente sobre o tema, e saindo daquela prova voltar pra mesma realidade de antes”.

Apesar das críticas, ela ressalta que “É válido o tema, como impulsionador do debate... Mas não adianta se iludir, achando que no modelo capitalista e patriarcal, vá se conseguir alguma melhoria efetiva através de uma prova como essa!”. A professora Aline tem uma visão parecida. Ela comentou em sua página, questionando “qual pode ser o ponto negativo de que isso tenha sido tema nacional? As comemorações não legitimam o Enem, o PT, o Bolsonaro, ou o que for”.

O doutor em história pela UFG, Rafael Saddi lembrou problemas que tornam o ENEM um “processo excludente que ele potencializa a exploração econômica da educação, via cursinhos pré-enem”. Ele também falou da exploração política da repercussão do tema, e lembrou que “Quem elabora a prova do ENEM são professores-pesquisadores (historiadores, filósofos, químicos, físicos, etc.) que são contratados pelo INEP e muito mal pagos para tal tarefa”. Saddi observa pontos positivos, pois a proposta “fortalece os professores de humanas na cobrança de maior espaço de suas disciplinas, bem como garante o debate sobre temas que estão ameaçados de criminalização”.

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