Uma prática que caracteriza não só Goiás, mas todo o país, tem se destacado no setor produtivo e principalmente marcado a imagem do estado no exterior. Trata-se do exercício do artesanato. Antes ignorado pelo poder público e desprezado pelo segmento artístico, por conta de uma possível reelaboração intelectual subalterna, o artesanato ganhou novas forças graças ao engajamento dos próprios praticantes e aficionados.
Objeto que identifica a cultura popular, as peças do folclore são a materialização da indústria do turismo que se forma em uma comunidade. Mais do que isso é também o elemento simbólico que marca a comunidade a partir de suas características e identidades. “O caso de Goiás é bem documentado. Afinal, que imagens representam o estado lá fora, que sinais tornam os goianos um povo distinto visualmente? Citaria a máscara da cabeça de boi, que é inigualável e determinante. Ela tem se espalhado em todo mundo. Você está em Roma, Amsterdam, Paris e consegue encontrar a produção do goiano”, diz Antônio Miguel de Faria, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) que investiga o artesanato do país.
Esta modalidade artística tem se transformado em atividade preponderante em diversos municípios de Goiás, caso de Cristalina, Pirenópolis, Faina e a própria capital. O mais interessante é que na medida em que ocorre a mudança dos municípios, os temas também se transformam, o que revela a capacidade da população de se adequar aos elementos folclóricos que mobilizam cada cidade. “Neste sentido, o artesanato é muito mais autêntico do que a arte. Enquanto o artista copia movimentos e reproduz ideias dos outros em sua realidade, a tendência é que o artesão faça um mergulho em sua própria vida. Existem padrões internacionais, mas com certeza ocorre uma adaptação mais natural do que a arte propriamente dita”, explica Antônio Miguel.
Antônio Miguel de Faria, pesquisador: produção brasileira e principalmente do Centro-Oeste pode ser encontrada em diversos países do mundo. Especialista diz que estado tem máscaras disputadas
O aumento do número de artesãos representa a ampliação de uma demanda. O secretário de Desenvolvimento Econômico (SED), José Eliton, afirma que existe em Goiás o cadastro de 3.542 artesãos. Conforme o secretário, a Gerência de Artesanato da SED realizou de abril a dezembro de 2015 o cadastro de mais 1.344 artesãos e trabalhadores manuais.
Além de despertar uma forma de sobrevivência através de formas e cores, o artesanato marca o regionalismo do goiano. A artesã Luzia da Rocha, que trabalha com o artesanato quilombola, diz que a beleza dos traços desta cultura revelam a singeleza e o olhar de uma “tradição”: “É a contemplação da vida, de Goiás, da natureza, do Cerrado. Eu enfeito coisas”.
Teóricos como Nestor Canclini entendem que “alguns setores sociais creem encontrar nas culturas populares a última reserva das tradições, as quais poderiam ser julgadas como essências resistentes à globalização”.
Neste sentido, o aumento da apreciação do artesanato, não apenas de turistas, mas dos próprios moradores, significa uma reação daqueles que valorizam a tradição. Antônio Miguel de Faria diz que existe na sociedade uma batalha entre a tradição e o futuro: “O contrário do smarthphone é um arranjo de flores ou a moldura de um santo feito de forma especial por um morador. Eles não se combinam”, diz.
Neste sentido, existiria na sociedade cada vez mais pessoas que desejam barrar o avanço da modernidade por meio de valores que prezam e representam. “O artesanato é esta ruptura. Quando menos se espera, ele se impõe”, explica o pesquisador.
As imagens que mais representam Goiás são as do homem caipira, que cultiva a vida simples do interior, os elementos religiosos, a máscara do boi das Cavalhadas, reproduções da flora e da fauna.
Ranking
O número de praticantes é com certeza maior do que os 3.542 cadastrados, já que muitos desconhecem a prática do registro perante o Estado, que garante uma cartela de direitos aos artesãos. De acordo com José Eliton, o Programa do Artesanato Goiano alcançou 30% a mais de profissionais do que no ano anterior.
André Franco, gerente de artesanato, explica que Goiás é o 11º no ranking do cadastro nacional de artesãos e trabalhadores manuais. Existe ainda um enorme espaço a ser ocupado, ainda mais com o passado colonial de Goiás, que coleciona lendas, vivências e tradições.
A participação dos goianos em eventos nacionais e internacionais praticamente triplicou, informa o artesão José Alves de Souza, que comercializa suas produções em Teresópolis, Brasília e cidades mineiras. “Já participei de feiras em Brasília e na América Latina. Depois da realização da Copa do Mundo, em 2014, passamos a ser convidados para vários eventos no país”.
Mulheres
André Franco, gerente de Artesanato da SED, explica que as mulheres são maioria neste grupo de produtores: 2.806 são artesãs (79,24%) enquanto 736 são integrantes do sexo masculino, o que representa 20,76%.
O gestor público informa que o cadastro do artesão é importante para que ele tenha acesso a benefícios como transportar seus produtos de forma livre no país, fugir do estigma de que seja adepto da informalidade e se identificar em feiras e eventos.
Imagens da fauna e flora colocam imagens de Goiás em destaque em feiras nacionais e internacionais de artesanato: estado tem 3.542 artesãos cadastrados
Atividade integra criatividade e empreendedorismo
Vice-governador e secretário José Eliton procura divulgar artesanato, por enxergar nele qualidades como empreendedorismo e criatividade: elementos folclóricos marcam história e tradição de Goiás
O vice-governador José Eliton é um entusiasta da riqueza simbólica do artesanato goiano. O gestor público afirma que a atividade une duas coisas que preza: criatividade e empreendedorismo. Para ele, Goiás ganha com o resgate da atividade e seu desenvolvimento.
Ele cita a grande produção de artesanato no mundo, que fomenta a propagação de culturas e economias, sendo aliada do turismo e do mercado de arte. O vice-governador e titular da SED tem colocado o tema em destaque nos eventos que realiza nas cidades do interior, caso do SED Adiante, e nos órgãos do Estado.
Globalização
Na atualidade, a globalização tem aproximado produtores e causado mudanças que precisam ser repensadas, diz Antônio Miguel de Faria. “O artesanato dos países falam a mesma coisa em línguas diferentes, mas existe uma grande produção de pastiches que necessita ser combatida”.
Um dos exemplos citados pelo especialista é a série de bonecas da Rússia, em que uma é recolocada dentro da outra. “É uma criação sofisticada que tem sido copiada de maneira grosseira. Por isso é necessário separar o bom do artesanato ruim, feito de forma apelativa, em busca da venda a qualquer custo. Imagine se amanhã os russos fabricarem árvores de ipê amarelo, característicos de nossa cultura?”.
Goiás tem se destacado com a produção coletiva, mas aos poucos surgem nomes de destaque no cenário produtivo. É o caso de Nico Miranda, artesão de Jataí que teve uma de suas obras selecionadas pela Unesco, entidade da Nações Unidas, cujo evento compilou 13 artesanatos de excelência do Mercosul.
O artesão atua com cabaças, em que trabalha santas e outras figuras, como baronesas, escravos e pássaros. Uma das criações de Nico é a “Monalisa do Cerrado”, uma releitura do ícone renascentista a partir dos valores da natureza do Planalto Central. Com tamanha qualidade e desenvoltura, eis a pergunta: afinal, qual critério para separar arte de artesanato? Não raro, eles falam a mesma linguagem.
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As campeãs do artesanato em Goiás
(Dados da SED)