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CULTURA

Excentricidades metropolitanas

Pensando no sentido da  coluna ‘Bairros’ do DmRevista, administrada por mim, que propõe-se a lançar “olhares de passagem” a setores que não possuem uma identidade fotográfica muito definida em um suporto imaginário geral da cidade, resolvi pensar um desafio fotográfico quando estive de passagem pelo Rio de Janeiro no último dia 5 de abril, para participar de uma coletiva de imprensa. Enquanto passava pelas ruas no trajeto aeroporto-coletiva, decidi registrar algumas cenas passageiras que coloriam os vidros do carro que me transportava. Ao chegar em Goiânia, no meu primeiro contato com o material, percebi que a monumentalidade exibida pelas estruturas que compõe o visual do Rio norteou o trabalho.

Goiânia-Rio

Era minha primeira vez na cidade. Como as cenas passavam muito depressa, à medida que o veículo levava com pressa a mim e outros 3 jornalistas ao compromisso da viagem, não existia a possibilidade de aprofundar-me nelas, o que exigiu que eu transformasse meus olhos em sensores rápidos diante das figuras que surgiam. As janelas estavam fechadas, o que dificultou meu trabalho um pouco, pois não quis incomodar os outros profissionais que comigo estavam pedindo pra abrir o vidro, fechado em prol do bom funcionamento do ar condicionado. Estava muito calor. Expliquei apenas que era de Goiânia, e como não conhecia o Rio, queria produzir imagens para compor uma reportagem.

Qualquer fotógrafo ‘profissional’ teria sentido mal estar ao ver a grosseria com a qual clicava as imagens com segundos pra preparar um enquadramento e com a barreira do vidro. Não me preocupei muito com isso, nem quis explicar detalhadamente minhas intenções. Estava acompanhado de dois paulistas e uma (suponho) carioca, que surpreenderam-se quando disse que cheguei no Rio em menos de duas horas e que o calor das tardes de Goiânia parecia-me um pouco mais brando do que o daquela ocasião. A impressão que tive no final do trajeto é que, de forma respeitosa e sem muito falar ou pensar, meus colegas definiriam automaticamente a cidade de Goiânia e meu comportamento pensando em distância, incógnito e fácil deslumbramento. Na volta ao aeroporto tirei melhores fotos do banco da frente.

O fácil deslumbramento, a meu ver, poderia ser explicado por três peculiaridades do Rio de Janeiro. Uma delas era o relevo da cidade: paredões de pedra impunham-se a todo momento em meio às construções dos humanos e vários túneis perfuravam as rochas para dar passagem às estradas. A dimensão gigante de algumas construções também foi responsável por minha fascinação, através de edifícios corpulentos em art déco e dos complexos de casas que apropriavam-se dos morros. O terceiro motivo seria a idade daquilo tudo: meio milênio de história amontoados em uma metrópole global de 6,5 milhões de habitantes invadem os olhos com força, fazendo referência a séculos distantes.

Rio-Goiânia

Quando fotografo Goiânia, uma jovem metrópole de 82 anos que concentra 2,5 milhões de pessoas, construções de 40 anos são mais que suficientes para que eu observe-as com destaque na paisagem dos setores. No caso da nossa capital, é preciso que façamos um certo esforço para que não a enxerguemos como uma cidade genérica. As particularidades de Goiânia estão impressas no que às vezes, em uma análise superficial, nossos olhos deixam passar por óbvias. Em Goiânia, no geral, as características visuais da cidade não saltam diante de nossos olhos de forma gratuita como no Rio de Janeiro. É preciso querer enxergá-las, gastar tempo lapidando cenas, estudando ruas, procurando detalhes.

No exercício da coluna Bairros, que foi tomando identidade durante um ano de experimentos, pude perceber a timidez da personalidade visual de nossa cidade. Ela mora nos galpões pós-agrícolas que tornaram-se em boa parte obsoletos no decorrer da expansão da metrópole. Mora também nas vielas escondidas em bairros que guardam suas praças longe das avenidas. Nas veias estreitas de seu leito hidrográfico, esquecido embaixo de pontes de visual meramente funcional. Em pequenos morros que permitem-nos analisar o paredão de prédios que vem se formando, em contraste com a extensa malha de casas que compõe a maior parte da cidade.

A ideia de fotografar bairros de Goiânia surge diante de uma lacuna de disponibilidade desse tipo de material. Perguntava-me o porquê de imagens como a Estátua do Bandeirante, o Palácio das Esmeraldas e o Coreto da Praça Cívica surgirem de forma unânime na minha cabeça quando pensava no potencial de monumentalidade de Goiânia. É como se a parte não planejada da cidade não tivesse identidade visual. Eu não conhecia a Casa Redonda do Jd. Balneário Meia-Ponte, nem enxergava a configuração das antenas do Morro do Mendanha como elementos de identidade, pois ao mesmo tempo que eles se escondem (por conta da naturalidade dos seus humores), nós os escondemos (por acharmos que não há nada de especial nisso). Permita-se observar cara de sua cidade.

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