Silvio Sous, aos quatro anos, sofreu com a poliomielite, uma inflamação que afeta a substância cinzenta da medula espinhal e que pode provocar paralisia, e hoje é portador da Síndrome Pós-Pólio, uma doença raríssima e degenerativa. A poliomielite pode ser evitada através da vacina utilizada pelo Ministério da Saúde, anteriormente, em 2012, por via oral (VOP) para terceira e quarta doses, e posteriormente a primeira e segunda doses da vacina foram disponibilizadas por meio da Vacina Inativada Poliomielite (VIP).
Silvio Sous é jornalista, ambientalista e professor graduado em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Inglês. Concursado como gari pela Prefeitura Municipal de Goiânia, varria as vastas ruas da grande metrópole. Além das várias qualificações, Silvio Sous é também músico e compositor autodidata, tendo aprendido violão aos quatorze anos, e o piano com uma caixa de papelão, sem jamais ter frequentado uma aula sequer. Aos 16 anos, Silvio já tinha formado sua primeira banda de rock, tocando nas noites e em festivais da Capital. Como jornalista, Silvio é editor do Jornal Canedense e também do Jornal Veículos, além de ter sido editor do Caderno de Ecologia e Turismo no Diário da Manhã.
Após sua experiência delicada como portador da poliomielite, Silvio Sous compôs a canção “Sobrevivente Sou”, um troféu para quem venceu a luta contra a doença. Este ano, sua música foi a escolhida para ser trilha do Encuentro Internacional Sobreviventes de la Poliomielitis México 2016. A canção foi traduzida para o espanhol e estampou as páginas da revista mexicana La Discapacidad En Acción BCS. O congresso ocorreu no dia 24 de outubro, em Puerto Vallarta. O dia é definido pela ONU como o Dia Mundial de Combate à Pólio. O evento contou com a presença de participantes do Brasil, Argentina, Estados Unidos, México, Venezuela e Espanha. Em breve, a canção de Sous, devidamente traduzida para o espanhol, também será tema do Encontro Internacional realizado na Argentina.
Entrevista com Silvio Sous, músico e sobrevivente da pólio:
DM Revista: Como foi a experiência de ser o representante brasileiro num evento tão importante para a discussão acerca da poliomielite?
Sous: Entendo que foi um marco importante, visto que há pouca discussão sobre a temática. O evento reuniu os sobreviventes de muitos países e considero que o Brasil foi muito bem representado, principalmente o Estado de Goiás, já que fui convidado para escrever e cantar a música tema do congresso. E voltei de lá mais vivo e querendo ajudar outros sobreviventes que assim como eu desenvolveram a outra doença pouco conhecida. Falo da síndrome pós-pólio.
DM Revista: Fale um pouco sobre seu cotidiano, após o diagnóstico da pólio, e como é sua rotina agora, com a Síndrome Pós-Pólio.
Sous: Eu Tive poliomielite por volta dos quatro anos de idade. Desde então sempre tive que superar. Superação é uma palavra marcante para quem sofreu com o póliovirus. A pólio me separou de tudo e todos de alguma forma. Foi um processo doloroso. Separado de namorada, dos colegas de escola, de amigos e até dos familiares. Essa minha vivenciação me trouxe um sentimento de abandono e de desamparo. Agora com a SPP me deparo com a necessidade de lidar com novos sintomas, nova deficiência e limitação. Desenvolver SPP me fez recordar de tudo que passei quando criança, dos cacoetes, do preconceito, da discriminação. Fui forçado a recordar e examinar a experiência vivida anos atrás do meu histórico de poliomielite. Por isso os sintomas psicológicos como depressão, ansiedade e estresse crônico interferem diretamente na qualidade de vida.
Meu cotidiano é limitado. Veja bem, uma pessoa com todos esses sintomas nova fraqueza progressiva, ansiedade, dor articular, fadiga intensa, dor muscular, distúrbio do sono, intolerância ao frio, câimbra, desvio de coluna, aumento de peso, fasciculação (tremores e contração), nova atrofia, cefaléia, transtornas mentais, depressão, problemas respiratórios, disfagia (dificuldade de deglutir), dificuldades na fala e flacidez nos músculos. Uma pessoa assim não deveria ter muita expectativa de vida, mas comigo foi o contrário. Apesar disso, tive êxito na carreira profissional e na vida de um modo geral, buscando sempre independência, autossuficiência com forma de provar minha superação às minhas limitações e me tornar aceitável pela sociedade.
Mas sentir os novos sintomas, psicologicamente é devastador. Porque acreditávamos que isso tinha ficado no passado que já havíamos vencido. A reação é de raiva, medo, angústia e de confusão. O sentimento de medo está presente por saber que posso prever minha condição física e capacidades futuras, principalmente a perda da independência, habilidades físicas e mudança profissional outrora estável. Sem dizer da peregrinação diante dos médicos por anos e receber aquela maravilhosa frase: “Você não tem nada. Você é perfeito. Você é saudável. Sua saúde é de ferro. Você precisa jogar bola, correr, nadar, andar de bicicleta que atividades físicas é ótimo pra você .”
DM Revista: O que foi debatido no Congresso Internacional de Sobreviventes da Pólio? Alguma novidade ou esperança para os pacientes?
Sous: As esperanças de solução do problema não são tão otimistas. Mas o congresso deu muita visibilidade e foi elaborado e assinado o tratado de Declaração Mundial de Sobreviventes da Pólio e Síndrome Pós-Pólio já traduzido para espanhol, português e inglês. Devido à erradicação da poliomielite no país em 1989, poucos profissionais de saúde têm tido o treinamento ou a experiência adequada em tratar da síndrome. A maioria tem conhecimento limitado e às vezes prejudicam mais que ajudam na orientação. Esse tratado sendo levado a todas autoridades relacionadas à saúde do mundo todo. Queremos disseminar isso.
Mas existem remédios que estão sendo testados para pelo menos manter os neurônios motores mais estáveis. Além da L-Carnitina que ajuda a manter a energia do corpo. Até o momento eu acreditava que minha vida tinha parado literalmente, mas no congresso foi abordado que podemos fazer tudo e prestar atenção aos sinais do corpo. Simplesmente não podemos deixar de fazer coisas que nos dão prazer, mas precisamos de cautela e principalmente poupar energia. Outra novidade é que estudos apontam que uma pessoa que nunca teve pólio pode sim, desenvolver pós-polio o que parece bem interessante.
DM Revista: Além da conquista da sobrevivência à pólio, o que mais te inspirou para compor “Sobrevivente Sou”, canção de sua autoria, apresentada no Congresso Internacional de Sobreviventes da Pólio e traduzida para o espanhol?
Sous: Cada dia que passa eu sinto mais dificuldade em executar minhas atividades diárias em função da nova fraqueza, da fadiga e da dor. Quase sempre relacionados com mobilidades no tocante à marcha e subir escadas. O estilo de vida mudou radicalmente e tende a piorar. Atividades feitas sem nenhum problema parecem que são intermináveis. eu não sei o que me aguarda daqui a cinco ou dez anos. Se uma nova prótese ou uma cadeira de rodas. Então, a música é um grito. Quer dizer: hei, estou aqui!!!. Eu ainda tenho vida. Eu quero mostrar para o mundo que ainda tenho vida. Vida pra mim é como arte. Simplesmente é. Não se pode rotular ou metrificar a vida. Eu tenho dor desde os quatro anos de idade e sou amiga da dor. Mas a arte me amou muito mais. Espero que possamos viver a vida com ou sem limitações motoras. Simplesmente Viver!