O cinema brasileiro, atualmente, caracteriza-se quase hegemonicamente pela comédia no subgênero pastelão, de bordões, e comédias românticas água com açúcar. Todavia, a amplitude temática que tange as configurações da sétima arte tupiniquim se expandem para além do clichê acalmado e muitas vezes criticado pela massa.
Para além dessa bolha, a produção cinematográfica no Brasil flui a todo vapor, com produções bem vistas pela crítica; carregadas de reflexões e munidas de um forte e bem estruturado alicerce histórico-social, que dialogam também com produções literárias brasileiras.
A partir disso, confira a seguir 10 filmes brasileiros que te levarão a repensar os esteriótipos do cinema no Brasil.
Vidas Secas
Baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos, que conta a trajetória de uma família de retirantes pressionada pela seca, o filme lançado em 1963, do gênero drama e dirigido por Nelson Pereira dos Santos é outra referência do cinema novo. Foi o único brasileiro indicado pelo Instituto de Filmes Britânico como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca.
Em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Foi listado por Jeanne O Santos, do Cinema em Cena, como "clássicos nacionais"
Em 1941, pressionados pela seca, uma família de retirantes composta por Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia, atravessa o sertão em busca de meios para sobreviver. Seguindo um rio seco, eles chegam a um casebre abandonado nas terras do fazendeiro Miguel, quando em seguida há uma chuva.
Com a recuperação dos pastos, o proprietário retorna com o gado, e a princípio os repele, mas Fabiano diz que é vaqueiro e que a família pode ajudar em vários serviços, então são aceitos.
Apesar de tudo, a família ainda tem esperança de prosperar, mas, ao final do primeiro ano de muito trabalho e dificuldades, perceberão que a miséria da família persiste e nova seca está para assolar novamente o sertão.
A Hora da Estrela
A hora da estrela é filme brasileiro de 1985, do gênero drama, dirigido por Suzana Amaral. O roteiro é uma adaptação do romance homônimo de Clarice Lispector. Em novembro de 2015 o filme também entrou na lista feita pela Abraccine dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.
Macabéa (Marcélia Cartaxo) é uma imigrante nordestina, que vive em São Paulo. Ela trabalha como datilógrafa em uma pequena firma e vive em uma pensão miserável, onde divide o quarto com outras três mulheres. A nordestina não tem ambições, apesar de sentir desejo e querer ter um namorado.
Um dia ela conhece Olímpico, um operário metalúrgico com quem inicia namoro, mas o homem a trata como capacho sempre que tem oportunidade. Além disso, Macabéa tem seu caminho atravessado por Glória, sua colega de trabalho que tem outros planos após se consultar com uma cartomante (Fernanda Montenegro).
O que é visto nesta versão cinematográfica não é apenas um filme sublime, mas uma adaptação maiúscula de um livro excepcional, que se consagrou ao ser premiada em festivais importantes como o de Berlim e o de Brasília.
Califórnia
Califórnia é um filme de drama produzido no Brasil, dirigido por Marina Person e lançado em 2015.
A trama conta a história de Estela, uma garota vivendo na São Paulo de 1984. Em uma época de abertura política e do ressurgimento da diversidade cultural no Brasil, ela espera ansiosamente pela viagem para visitar o tio nos Estados Unidos. Porém, quando ele volta da Califórnia magro e doente, suas percepções do mundo ao seu redor vão mudar drasticamente.
Para Teca, a meta do futuro é viajar América adentro para conhecer o lado Norte do Novo Mundo ao lado de seu tio (e super-herói) Carlos, um jornalista especializado em rock vivido por Caio Blat. Enquanto o passeio esperado não chega, a mocinha encara o colégio, dividida entre cochichos com as melhores amigas e flertes com o aspirante a surfista Xande. Nesse período, chega ao colégio, por transferência, um aluno novo, de visual à la Tim Burton, de quem nada se sabe e tudo se especula, o papel desse personagem é confiado a Caio Horowicz.
Casa Grande
Casa Grande é um filme de drama brasileiro lançado mundialmente em 28 de janeiro de 2014, com direção de Fellipe Barbosa. É uma produção da Migdal Filmes. O roteiro é do diretor e de Karen Sztajnberg.
O filme conta a história de Sônia (Suzana Pires) e Hugo (Marcello Novaes), que levam uma vida bastante confortável, visto que pertencem a alta burguesia carioca. Entretanto, uma crise financeira abala a família, levando-os aos poucos à falência. Os dois tentam acobertar o problema de seu filho, Jean (Thales Cavalcanti), que começa a vivenciar as experiências da adolescência e faz de tudo para se desvencilhar dos pais superprotetores. Para se manter, o casal corta despesas e ele, que só se preocupava com garotas e vestibular, enfrenta pela primeira vez a realidade.
Em certo sentido, a produção mantém uma característica do cinema brasileiro de filmes com a presença denúncias sociais. Por outro lado, a produção inova com um roteiro apoiado em diálogos críveis, que resulta em um apelo comercial igualmente inusitado para uma obra cinematográfica brasileira que não é filha da TV.
Que Horas Ela Volta?
Que Horas Ela Volta? é um filme brasileiro de 2015, do gênero drama escrito e dirigido por Anna Muylaert. Trata dos conflitos que acontecem entre uma empregada doméstica do Brasil e seus patrões de classe média alta, criticando as desigualdades da sociedade brasileira.
A estreia mundial do filme aconteceu no início de 2015, no Sundance Film Festival, em Utah nos Estados Unidos. O longa brasileiro estreou nos cinemas de sete países europeus, antes de chegar ao Brasil em 27 de agosto de 2015.
Em setembro do mesmo ano, o filme foi o escolhido pelo Ministério da Cultura entre 8 longas brasileiros, para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro da edição de 2016. Todavia, infelizmente não foi indicado ao prêmio.
Já em dezembro de 2015, Que horas ela volta foi eleito um dos cinco melhores filmes estrangeiros do ano pela organização norte-americana, National Board of Review. No mesmo mês, foi eleito o melhor filme do ano e entrou na lista dos 100 melhores filmes brasileiros segundo a Abraccine.
Regina Casé interpreta Val, uma empregada doméstica natural de Recife que mora há treze anos em São Paulo, na casa dos patrões. Dentro deste lar de classe média-alta, Val é considerada “quase da família”, tendo criado os filhos dos patrões como se fossem os próprios.
Mas contraditoriamente, a familiar ainda faz as suas refeições em uma mesa separada, dorme no quartinho dos fundos e jamais colocou os pés na grande piscina onde os outros se divertem. A empregada doméstica foi o símbolo escolhido para ilustrar a condescendência de certa elite que “acredita sinceramente ter sido feita para ocupar tal posição”, como diriam os sociólogos Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot.
De repente, a filha de Val decide ir a São Paulo para fazer um vestibular, na mesma época que o filho do casal, e pede apoio a mãe. Entretanto, a convivência é complicada, ainda mais pela personalidade da garota e a forma como ela se comporta na casa perante os patrões de sua mãe, se sentindo mais a vontade e não aceitando a separação de classes e posições impostas no lugar.
As Duas Irenes
No longe dirigido por Fábio Meira, uma menina de 13 anos, de uma família tradicional do interior, descobre que seu pai tem uma filha com outra mulher, e que essa menina tem a mesma idade e o mesmo nome dela. Agora, Irene se sente num lugar de rejeição e começa a tentar descobrir quem ela é e quem quer ser. Ela também começa a perceber como se dão as relações sociais e vai entendendo que o universo adulto é feito também de segredos e mentiras.
Desse momento em diante, a garota se aproxima da outra família de seu pai sem revelar seu segredo e acaba desenvolvendo uma bela amizade com sua meia-irmã.
Justamente nesse ambiente interiorano e sereno que mora o roteiro de As Duas Irenes, filme goiano de 2017 que esteve presente no 67º Festival Internacional de Cinema de Berlim e no 32º Festival Internacional de Cinema de Guadalajara onde levou os prêmios de Melhor Primeiro Filme e Melhor Fotografia.
Pendular
Pendular é um filme de drama brasileiro de 2017, dirigido e escrito por Júlia Murat e Matias Mariani. O longa protagonizado por Raquel Karro e Rodrigo Balzan, foi distribuído pela Vitrine Filmes, mesma produtora de As Duas Irenes.
Em um galpão abandonado, um casal de artistas contemporâneos observa a arte, a performance e sua intimidade se misturarem. A partir de sequentes contradições, eles vão aos poucos perdendo sua capacidade de distinguir o que faz parte dos seus projetos artísticos e o que nada mais é que a relação amorosa, criando até mesmo um conflito com seu passado.
O longa complexo e maduro é repleto de metáforas em seus simbolismos, que exploram a incomunicabilidade do casal em uma modernidade líquida onde relações são construídas a partir de laços efêmeros.
Baseado na performance Rest Energy, de Marina Abramović, uma aclamada artista nascida na Sérvia, onde ela e Ulay, seu companheiro na época, se equilibravam enquanto ela segurava um arco e ele uma flecha que apontava para seu coração, Pendular joga com os impasses de relação onde as duas personagens principais parecem demasiadamente alheias uma a outra.
Aquarius
Aquarius é um filme franco-brasileiro, dos gêneros drama e suspense, escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho. É produzido por Emilie Lesclaux, Saïd Ben Saïd e Michel Merkt e estrelado por Sônia Braga. Suas filmagens ocorreram no intervalo de sete semanas entre agosto e setembro de 2015, em vários bairros do Recife.
O longa é dividido em três capítulos: "O cabelo de Clara", "O amor de Clara" e "O câncer de Clara". Seu enredo gira em torno de Clara (Sônia Braga), uma viúva de 65 anos que é a última moradora do edifício que dá título à obra, na orla da praia de Boa Viagem, no Recife. No decorrer do filme, acompanhamos o dia a dia da protagonista, sua relação com seus amigos e familiares, e a investida de uma construtora que pretende comprar o prédio a todo custo, visando erguer um mais moderno no local. Assim, o longa-metragem aborda temas como especulação imobiliária, passagem do tempo e memórias, e discute ideias pré-concebidas sobre a vida e sexualidade de uma mulher na terceira idade.
Aquarius teve sua primeira exibição mundial em 17 de maio de 2016 na 69° edição do Festival de Cannes, no qual concorreu à Palma de Ouro. Estreou nos cinemas brasileiros em 1.º de setembro do mesmo ano, e possui distribuição confirmada para mais de sessenta países. Foi muito bem recebido pelos críticos, que elogiaram sua direção, roteiro e a atuação de todo o elenco — particularmente a de Braga, considerada por alguns como uma das melhores de sua carreira.
A produção foi indicada a diversos prêmios internacionais, entre eles Independent Spirit Awards, César e Prêmio Platino. Além disso, foi incluída nas listas de melhores filmes do ano de diversas publicações estrangeiras como Sight & Sound, Cahiers du Cinéma e The New York Times; conquistando, inclusive, o 1º lugar no ranking feito pelos alunos da mais prestigiada universidade de cinema do Reino Unido, a National Film and Television School. Também foi um sucesso de público, atingindo meio milhão de espectadores entre Brasil e França.
O filme também teve amplo debate na mídia brasileira devido a um protesto feito por sua equipe no tapete vermelho de Cannes, no qual questionava o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
O cheiro do ralo
Querido por muitos psicanalistas, e estrelado por Selton Mello O Cheiro do Ralo é um filme brasileiro de humor negro, produzido e distribuído em 2007, com roteiro baseado no romance homônimo de Lourenço Mutarelli, o filme teve seu roteiro escrito por Marçal Aquino e o pelo próprio diretor Heitor Dhalia.
No referido longa ambientado em São Paulo, Lourenço (Selton Mello) é o dono de uma loja que compra objetos usados. Aos poucos ele desenvolve um jogo com seus clientes, trocando a frieza pelo prazer que sente ao explorá-los, já que sempre estão em sérias dificuldades financeiras. Ao mesmo tempo Lourenço passa a ver as pessoas como se estivessem à venda, identificando-as através de uma característica ou um objeto que lhe é oferecido.
Incomodado com o permanente e fedorento cheiro do ralo que existe em sua loja, o dono da loja de penhores é colocado em confronto com o universo e os personagens que julgava controlar. Isso o obriga a uma reavaliação de sua visão de mundo e o conduz, de forma inexorável, para um trágico desfecho. De certo modo, sua coleção de tipos se rebela e se volta contra ele.
O longa participou do Festival do Rio 2006 - nas categorias de melhor ator; prêmio especial do júri e da FIPRESCI (oferecido pela imprensa internacional) - da 30ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - Prêmio de Melhor Filme - do 2007 Sundance Filme Festival (onde foi elogiado pela crítica americana), do 4º Festival de Cinema de Campo Grande (Melhor Filme Nacional) e do 10º Festival de Cinema de Punta Del Leste (Melhor Ator – Selton Mello).
Dias Vazios
Por último, mas não menos importante, temos Dias Vazios, baseado no romance “Hoje Está um Dia Morto”, do escritor goiano André de Leones longa vencedor na categoria romance da edição 2005/2006 do Prêmio Sesc de Literatura. O diretor e roteirista Robney Almeida trabalhou por oito anos para concluir sua obra de estreia no longa-metragem, após alguns curtas.
No filme ambientado em Silvânia, interior de Goiás. Jean (Vinícius Queiroz) é um jovem revoltado, que não suporta a cidade onde vive. Ele namora Fabiana (Nayara Tavares) e vive contestando a freira que coordena a escola em que estuda. Ambos estão no último ano do ensino médio e enfrentam um grande dilema: sair de sua cidade pequena ou continuar lá e reviver a história dos pais. Quando Jean se suicida, Fabiana desaparece; dois anos após os acontecimentos envolvendo o casal, outro aluno da mesma escola decide escrever um livro sobre o assunto. Trata-se de Daniel (Arthur Ávila), também pessimista, que conversa apenas com a namorada. Obcecado pela história de Jean e Fabiana, Daniel busca por pistas sobre o que aconteceu com o casal amigo. Procurando o motivo da morte de Jean e o paradeiro de Fabiana, de forma que possa concluir seu livro e assim reinventar o seu próprio destino.
Dias vazios aborda questões pertinentes da vida interiorana, sob o viés da angústia gerada pela impossibilidade de mudança. É como se a rotina pacata, aliada à religiosidade onipresente, fossem tão sufocantes que, aos poucos, se tornassem insuportáveis.
As filmagens foram feitas em Silvânia, a mesma cidade em que o livro de André de Leones se passa. Exibido na 21ª Mostra de Tiradentes e no Cine PE (onde foi premiado). O filme também chama a atenção para a produção de cinema em Goiás.