Júlia Lee/ Especial para o DM
Há 50 anos a história era marcada pela disseminação da cultura psicodélica, com eventos como Woodstock e lançamento de filmes do calibre de “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, do cineasta baiano Glauber Rocha, e “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade.
Neste ano também completa-se o cinquentenário das músicas “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil, “O trem”, de Luiz Gonzaga Jr, e “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola. Todas hoje com o status de clássicos da Música Popular Brasileira (MPB).
Porém, contraditoriamente e quiçá opostos complementares, foi o ano de importantes acontecimentos políticos ao redor do mundo. Em 1969 nascia uma grande onda de acontecimentos que, interligados ou não, contribuíram para as referências libertárias (tanto no campo da arte quanto da política) que temos em 2019. E elas não são poucas.
Mas 69 também simbolizou o ano em que o pai do movimento beat, Jack Kerouac, saiu de cena e morreu como um crítico rabugento da contracultura e um devoto do apelo armamentista dos Estados Unidos.
No hemisfério sul, durante o auge da Ditadura Militar brasileira (1964-1985), tínhamos as estreias do “Jornal Nacional”, o popular “JN”, e do periódico “O Pasquim”, jornal que fazia oposição escrachada ao regime vigente. Isso sem contar o embaixador dos EUA, Charles Elbrick, sendo sequestrado pelos militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e Aliança Nacional Libertadora (ALN) em pleno verão carioca. Assim foi 69.
Em seguida, temos a posse do ditador Emílio Garrastazu Médici e a morte do guerrilheiro Carlos Marighella, um dos maiores combatentes contra a ditadura militar. Enquanto isso, do outro lado do planeta, na Ásia, a Guerra do Vietnã (1955-1975) revoltava os jovens da classe média norte-americana que não estavam dispostos a morrer em uma disputa ideológica.
Tudo na mesma linha de tempo-espaço, onde bombas culturais e políticas tomavam as mentes dos jovens rebeldes, chegando várias manifestações, em diversos campos das artes.
É claro que os Beatles não iam ficar de fora dessa. Em agosto de 1969 a famosa foto que ilustra a capa do álbum “Abbey Road” foi tirada em Londres, pelo fotógrafo escocês Iain MacMillan (1938-2006).
Segundo depoimento do artista, a ideia da imagem partiu do baixista Paul McCartney. “Poucos dias antes do ensaio, ele (Paul) desenhou um rascunho de como imaginava a capa do disco, e acabou sendo o que foi feito naquele dia”, contou MacMillan ao jornal britânico “The Guardian”, no aniversário de 20 anos da fotografia, em 1989.
Abbey Road
O álbum contém os clássicos “I want you (She's so Heavy”, “Something”, “Here comes the sun”, “Octopu's Garden” e mais 12 músicas que marcaram e ainda marcam toda uma geração. Inclusive, em comemoração aos 50 anos, o disco foi remasterizado com uma mixagem em estéreo, 5.1 Surround e Dolby Atmos, e será lançado no dia 27 de setembro.
“Abbey Road” é um álbum que demonstra uma interessante maturação do talento dos garotos de Liverpool, sendo considerado pela crítica um dos melhores trabalhos da banda.
Com uma mistura de elementos do pop, blues e rock progressivo, o LP tem um poderoso conceito narrativo e estético. Há quem diga que “Abbey Road” foi construído através de um constante debate entre o produtor George Martin e os Beatles, refletindo em uma obra completa, sólida e que influenciou praticamente tudo o que foi feito no mundo da música desde então.
O lado A contém músicas com um poder individual de personalidade, o que transforma a narrativa independente entre as próprias músicas. O interessante é que John Lennon, cantor e compositor, arquitetou para que esse lado do disco começasse com “Come Together”, uma música forte que foi escrita inicialmente para ser uma campanha política para Timothy Leary – psicólogo norte-americano conhecido como pai do LSD, que concorria a governador da Califórnia à época.
Para fechar o primeiro lado do disco, Lennon escolheu a inconvencional música “I Want You (She's so Heavy)”, que tem uma das letras mais curtas e simples do repertório dos Beatles, porém os riffs pesados das guitarras de John Lennon e George Harrison transformaram a música em uma das primeiras do movimento Heavy Metal, que viria a despontar no cenário roqueiro na década de 1970 com bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e Free.
Já o lado B de “Abbey Road” é a grande consolidação da genialidade de George Harrison enquanto compositor, com as músicas “Something” e “Here Comes The Sun”.
As canções têm fortes referências à viagem dos Beatles à Índia, sendo uma descoberta de Harrison com instrumentos clássicos indianos, o que se consolida em sua carreira solo.