Leon Carelli
Executado por um icônico sexteto de músicos, sob administração de Miles Davis, o álbum “Kind of Blue” – o disco de jazz mais vendido de todos os tempos – é um retrato do auge do gênero durante a transição das décadas de 1950 e 60. Admirado por músicos de vários estilos e gerações, o disco completou 60 anos no último dia 17 e recebeu várias homenagens de artistas, críticos e de fãs espalhados pelo mundo.
No último dia 16, o escritor David Yarsley apresentou-nos um panorama de como os 60 anos do álbum foram percebidos ao longo de sua história. “Kind of Blue vendeu como brownies. Sua popularidade só aumentou ao longo dos anos. Frequentemente considerado o disco de jazz mais vendido da história, alcançou o quádruplo status de platina em 2008.
Até lá, cerca de quatro milhões de cópias foram vendidas nos EUA. Aos sessenta, chegou a cinco milhões”, conta. Yarsley também traz o relatório técnico da produção do disco: foi gravado em dois dias, com seis semanas de intervalo, entre 2 de março e 22 de abril de 1959, com sessões vespertinas e noturnas.
Com Miles Davis no trompete, John Coltrane e Julian "Cannonball" Adderley nos saxofones, Bill Evans no piano, Paul Chambers no baixo e Jimmy Cobb na bateria, somos apresentados aos 46 minutos de “Kind Of Blue”, considerado, por sua simplicidade, um desembaçar de lentes que conectou o jazz ao grande público, solucionando complexidades e estigmas que criavam uma barreira entre o estilo musical e as pessoas.
“Miles originou uma criação distintamente moderna para as massas em 1959 e a capacidade do álbum de soar tão simples ao ouvido nu é um verdadeiro testemunho de sua longevidade”, comentou a autora Faye Fearon, no último dia 30 de abril, em colaboração à revista britânica GQ.
Modal
Para conceber “Kind of Blue”, Miles Davis consultou previamente as teorias do compositor George Russell, expressas no livro “Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization”, lançado em 1953. O material ajudou a substancializar o conceito de jazz modal, presente anteriormente no disco “Milestones”, de 1958, e purificado, principalmente, através de “Kind of Blue”, e do quarteto de John Coltrane na primeira metade dos anos 1960.
De acordo com o músico Art Farmer, o livro de Russell “abre a porta para inúmeros meios de expressão melódica”. Ainda segundo a descrição do site Rate Your Music, o jazz modal foi um precursor para o jazz de vanguarda, e elevou o nome dos principais jazzistas da época ao destaque mundial.
A autora Faye Fearon também fala do impacto de “Kind of Blue”, e do jazz modal, no destino da música do século XX. “Basicamente, era totalmente moderno. E chegou ao jazz com Davis, que primeiro empregou a técnica com a faixa Milestones em 1958, mas verdadeiramente absorveu sua natureza definitiva através de Kind Of Blue”, explica.
O pacote entregue pelo sexteto, de acordo com a autora, foi batizado a partir do temperamento das músicas, e elucida as nuances de seu espírito. “O álbum rola como um humilde ambiente de tributo ao jazz, através de melodias esfumaçadas. Davis concebeu o nome através do seu humor, abraçando o blues de uma forma modal que soava fresca, moderada e atrativamente suave”.
Miles
A postura provocativa do músico é lembrada como uma de suas características marcantes na dissertação de Maria João Pereira para a Universidade de Aveiro, em Portugal. Ela cita parâmetros comportamentais que permanecem vivos em sua lenda.
“Este grande músico é conhecido pelo público pela sua genialidade, pelo seu mau feitio, pelas suas relações difíceis com as mulheres e com alguns filhos, pela busca permanente do novo, (drogas, Ferraris, pintura) e pelo horror ao racismo que sofreu na pele no seu próprio país por ser negro”.
No campo musical, Miles é conhecido pelo perfeccionismo, pelo experimento de ritmos e instrumentos, e pela capacidade de conduzir os sons. Seus ensaios musicais, segundo Maria João Pereira, resultaram em fórmulas para vários subgêneros do jazz.
“Além de ser um excelente músico foi também, naquela altura, um inovador quanto ao estilo novo de jazz, o cool-jazz, e mais tarde iniciou o seu próprio estilo, usando elementos do rock, criando assim o hard-bop”. O músico era aberto às novidades. “No fim da vida, um dos seus músicos de eleição foi Jimi Hendrix com o qual Miles tentou nos anos setenta ter uma sessão de gravação, o que não se realizou devido à morte de Jimi”.