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A simbologia da alienação no conto “A Sombra” de José Gomes Ferreira

Análise literária do conto "A Sombra" do autor português José Gomes Ferreira, realizada pelo estudante de Letras, Gildo Antônio Rodrigues Filho.

Na contemporaneidade, a narrativa em forma de conto ocupou um grande espaço no coração dos amantes de literatura por todo mundo, principalmente por seu dinamismo. Segundo Nádia Battella Gotlib o que sintetiza o conto é que: ele conta alguma coisa, seja real ou imaginária, ou quem sabe um misto dos dois (de forma mais sintética que o romance, suplementando o que não viria a colaborar para seu desfecho) e que o contista organiza e reorganiza os elementos da história para poder gerar significação e causar algum efeito no leitor.

Em linhas gerais, caro leitor, o conto de José Gomes Ferreira, aborda um ambiente cotidiano de agito urbano e se desenvolve no espaço temporal de um dia, começando pela manhã e findando no período em que os trabalhadores regressam às suas casas após a jornada de trabalho.

O personagem traça sua rota de ida e volta para o trabalho, em um dia que ele mesmo denomina como “dia incoincidente” em que a natureza está em harmonia (céu claro e bonito, pássaros cantando e voando pelo cèu, como se todos os elementos externos estivessem amarrados e envoltos em uma aura harmônica deixando o dia bonito). Porém, a característica marcante desse dia “incoincidente”, é que as pessoas não estão coincidindo com essa beleza da natureza e trazem, como o autor cita no conto.

 É nesse dia “incoincidente” em que o personagem sai de sua casa a caminho do trabalho procurando não ser atormentado pelas lamúrias e lamentações das figuras que o cruzam e procuram pedir auxílio a ele, esquivando-se e procurando manter-se da forma inatingível e inabalável que começa o conto.

No entanto, no decorrer de sua trajetória até seu ofício, ele é parado por figuras que surgem como obstáculos perturbadores da paz alheia, que enchem seus ouvidos com reclamações e desordens.

Essas figuras, que surgem aleatoriamente e de maneira insistente, uma atrás da outra, acabam por conseguir abalar internamente, mudando sua condição de ser coincidente com a natureza para ser “incoincidente”, assim como os outros, despertando nele sentimentos chorosos, tristes e sorumbáticos.

Ao final, o homem é tomado pelas mesmas energias que saem dos indivíduos que acabam corrompendo-o e floresce em seu  interior a mesma queixa de vida e a mesma vontade de despejar aos ombros alheios suas mágoas e aflições interiores.

A personagem protagonista do conto aparece contendo em si ideias “inquebráveis”

Em meio a essa mudança de natureza da personagem, surge em seu dia ainda “inscoincidente”, um acontecimento “extraordinário”,  em que sua própria sombra o manda ficar em silêncio e guardar suas queixas e lamentações  para si, como uma forma de repreensão.

Durante o desenvolvimento do conto, a ideia de sombra é materializada algumas vezes . Dessa forma, por meio dessa materialização do elemento sombra no decorrer do conto como quando evoca a sombra das andorinhas na descrição do dia, riscando as ruas ao voar e quando mencionada na construção da paisagem do centro urbano retratado, aparece como mero elemento estético, porém, seu potencial será retomado ao final do conto, quando a sombra do personagem assume características humanas e esbofeteia-o e o manda se falar para não despejar amarguras em ombros alheios.

A personagem protagonista aparece no começo do conto contendo em si um tipo de ideias e pensamentos que se mostram “inquebráveis” e “inabaláveis”, uma vez que pretende não “ceder” às lamúrias e lamentações das figuras que surgem em sua frente provindas do tal dia que não coincide com o resto da natureza.

Porém, a mesma personagem acaba o conto com uma ideia e pensamentos diferentes, assemelhando-se dos pensamentos que cerceiam as figuras que cruzam seu caminho no desenvolver de sua trajetória. Dessa maneira, a personagem sofre a alienação psicológica em meio ao conto, pois adere aos pensamentos pessimistas e perturbadores dos mesmos personagens coadjuvantes que integram o conto de José Gomes Ferreira.

Mesmo que essa ideia de alienação acabe por ser, de certa forma, contida pela ação da sombra ao final da história, ela faz parte do movimento Pós-Moderno integrante do Neorrealismo, que corresponde ao mesmo movimento do autor.

Como característica de José Gomes Ferreira, temos as influências que marcam esse movimento, dentre as que fazem parte do conto não se materializam apenas como alienação, mas influência de Psicanálise de Freud também.

A época do Neorrealismo em Portugal é perpassado por algumas teorias da ciência, e dentre elas destaca-se a Psicanálise, com os conceitos de Freud sobretudo sobre inconsciente. Partindo disso, pode-se inferir que a Sombra que se ergue por pequeno tempo ao fim do conto, é uma alegoria do subconsciente da personagem.

Tal afirmação baseia-se na semelhança de discurso do personagem ao começo do conto, antes de ser alienado, e da sombra ao final. Ambos os discursos agregam semelhanças fortes, e, como o inconsciente é uma parte da psique humana que não permite um controle, interpretar como sua manifestação a sombra no fim do conto de José Gomes Ferreira, acaba por se consumar válido e inteiramente próprio da época Pós-modernista da produção literária portuguesa, estabelecendo paralelamente a.consolidação dos conceitos de unidade de efeito de E. A. Poe e de epifania de James Joyce.

Texto: Gildo Antônio Rodrigues Filho

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