Leon Carelli
A icônica Mafalda, personagem que conquistou o mundo com sua inteligência e irreverência, segue imperecível com o passar dos anos. Sua atemporalidade é tamanha, que consegue atravessar décadas sem perder os ganchos da atualidade, tanto que boa parte dos leitores das tirinhas não se dá conta de que todas foram criadas há mais de 50 anos, entre as décadas de 1960 e 1970.
Quino, o autor da personagem, só voltou a desenhar Mafalda em algumas raras ocasiões especiais. No último dia 29 de setembro, a menina completou 55 anos. A principal característica de Mafalda é a língua solta, e os questionamentos sobre os problemas da humanidade. Sabe-se que ela tem quase oito anos de idade e odeia sopa.
A partir do surgimento e da popularização das redes sociais, Mafalda caiu de vez no gosto do público e segue doutrinando crianças com a arte de criar porquês feitos para constranger os malfeitores do mundo, com destaque para a classe política. Em homenagem ao 55º aniversário de Mafalda, o jornal El País publicou uma seleção de 12 tirinhas em que a personagem critica o descaso com as causas ambientais.
Em meio à farra do desmatamento da Amazônia em 2019, os quadrinhos parecem ter sido escritos ontem mesmo. “Mafalda, a criança inconformista, irreverente e encantadora sempre tem uma frase para quase qualquer situação. Sua visão crítica e um pouco ácida da realidade, levou-a a ser um das personagens mais queridas nas redes sociais”, escreveu Verne, colaborador do El País.
O jornal brasileiro O Tempo, através do colaborador Bruno Mateus, também deu destaque para o aniversário de Mafalda, lembrando algumas de suas nuances de personalidade. “Ela se mete em todos os assuntos possíveis, enfrenta adultos autoritários e aborda, com humor desconcertante, questões supostamente distantes do pensamento de uma criança, como democracia, pobreza, feminismo e autoritarismo”.
O texto também lembra que a personagem surgiu em 1962, como parte de uma campanha publicitária que deu errado, e só seria impressa regularmente dois anos depois. Sua carreira foi conturbada, e passou por três jornais diferentes: Primera Plana (1964–65) e Siete Días Ilustrados (1968–73).
Traduzida para mais de 30 idiomas, Mafalda consolidou-se como o personagem mais famoso de Quino, principalmente na Europa e na América latina, e até hoje segue sendo publicada nos mais variados veículos impressos e digitais de todo o mundo. “Ao tratar sobre temas comuns a qualquer país ou região, Quino dá a sua personagem um contorno universal. E ele o faz com humor – não aquele raso, mas um tipo cômico que é lúdico e traz reflexão sobre ética, cidadania, amor e liberdade”, acrescenta Bruno Mateos.
“Os conflitos são os mesmos, o racismo, a fome e as guerras continuam, lamentavelmente. Mafalda se angustiava e protestava contra isso”, comentou o ilustrador Costhanzo August, conterrâneo de Quino.
O carpinteiro
Hoje com 87 anos, Joaquín Salvador Lavado Tejón, consagrado sob seu apelido, Quino, vive em sua cidade natal, Mendoza, na Argentina. “Viajo sempre para vê-lo, e Mafalda está sempre presente não só porque trabalho com ele, mas também porque ela é uma personagem que se converteu em mais uma integrante da família”, conta Julieta Colombo, sobrinha e gerente da carreira de Quino.
Apaixonado por quadrinhos desde a infância, o artista passou a publicar suas tirinhas regadas a humor sarcástico em Buenos aires ainda nos anos 1950. Modesto, comentou o sucesso de Mafalda com exclusividade à agência de notícias EFE: “Sou como um carpinteiro que fabrica um móvel, e Mafalda é um móvel que fez sucesso, lindo, mas para mim continua sendo um móvel”.
O cartunista, por sua vez, passou por momentos críticos no início de sua carreira. Perdeu o pai e a mãe com menos de 20 anos, abandonou sua graduação em artes, e viveu à beira da miséria quando mudou-se para Buenos Aires ainda bem novo.
Hoje ele colhe os frutos de sua dedicação, e vê Mafalda ao lado de figuras icônicas no hall da fama dos argentinos (existe até uma praça com o nome dela). “A Personagem permanece ao lado de nomes como Maradona, Evita e Jorge Luis Borges na estante da memória afetiva e cultural da Argentina”, conta Bruno Mateos.