Fernando Safatle é um dos intelectuais mais importantes de Goiás. Natural de Catalão, cidade conhecida como ‘Atenas de Goiás’, o economista vive e participa – desde a sua juventude – dos movimentos sociais, políticos e culturais que agitam a cidade do sul goiano. E isso lhe credenciou para escrever o livro “História Política e Econômica de Catalão e Outros Reminiscências”. Afinal, vira in loco a deflagração do golpe militar de 1964 , partipara da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e exilara-se no Chile.
Claro que um currículo desses seria suficiente para escrever a história política e econômica da cidade goiana. Só que Safatle, pai do filósofo Vladimir Safatle, colunista do webjornal El País e responsável durante anos por comentar os principais assuntos do momento na Folha de São Paulo, vai além do que foi relatado até aqui. Muito além, diga-se de passagem. Formato em economia pela Universidade de Brasília (UNB), ele conta de maneira agradável fatos relevantes para a memória histórica do Estado.
Sem exagero algum, “História Política e Econômica de Catalão e Outras Reminiscências” poderia ser considerada uma espécie de autobiografia do próprio Safatle. Isso porque o texto passeia por episódios marcantes para a história goiana, e também nacional – sempre a partir de suas experiências. Está tudo ali: o impacto da revolução de 1930 e a mudança no poder político de Catalão e a eleição de João Neto de Campos – único candidato do Partido Socialista Brasileiro a ser eleito no País, em 1945.
Tem mais: a ascensão da indústria da carne e o que impacto que ela teve no golpe de 1964, já que a maioria dos empresários do ramo eram adeptos do regime militar. “Até a década de 1980 esses grupos assumiram o poder política da cidade”, diz o Safatle, em entrevista ao Diário da Manhã. Além disso, a obra mostra o surgimento do ciclo dos médicos, que domina o cenário político da cidade até os dias atuais. “Possuem, pela atividade que exercem, ligação com as pessoas, e acabam usando isso”, comenta.
“A história de Catalão passou, como de resto, por profundas transformações ao longo desses 155 anos de sua existência. Grosso modo, podemos dividi-la em vários períodos que se demarcam nitidamente. Assim, podemos estabelecer o primeiro ciclo histórico de 1722 – época do estabelecimento do primeiro núcleo de povoamento, por um padre espanhol e mais cinco pessoas – até 1858, data da emancipação da cidade”, escreve Safatle, na introdução do livro-documento.
No texto “Catalão Para Além Da Violência e Progresso”, o historiador Nasr Fayad Chaul, considerado um dos principais nomes do meio intelectual goiano, diz que a obra chama atenção do leitor para a questão política-econômica. “Suas páginas e páginas de saborosa história de vida nos oferta muita mais. Na riqueza da História de Catalão emerge violência, progresso, lutas políticas desenfreadas de famílias, domínios, ascensões e quedas de grupos e pessoas”, escreve o pesquisador.
ANL
“História Política e Econômica de Catalão e Outras Reminiscências” traz ainda detalhes sobre a entrada de Fernando Safatle na Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização que teve em seus quadros o ex-guerrilheiro Carlos Marighella. “Logo nos primeiros dias de aula, Carlos Lichtsztejn me convidou para ingressar na ALN. Ele e outros integrantes do movimento estudantil paulista faziam parte da dissidência do Partido Comunista liderado por Marighella”, escreve.
Além disso, Safatle relata como foi deflagrado o golpe contra o presidente chileno Salvador Allende. Na ocasião, diz o economista, ele estava no Chile e seu primeiro filho, Vladimir Safatle, havia nascido, no dia 3 de junho de 1972. “O general Carlos Pratis tinha “aplastado” o golpe, como diziam os chilenos. No final da tarde, Allende convoca a população para se dirigir à praça do Palácio La Moneda, onde haveria uma grande concentração contra o golpe”.
Safatle retornou ao Brasil pouco tempo depois. Instalou-se em Brasília e tentou organizar sua vida. Nos primeiros meses na capital federal, procurou arrumar um emprego no Palácio do Itamaraty, mas não conseguiu: mandaram-lhe escrever um texto sobre economia e ele foi desclassificado porque sua escrita tinha influência de Celso Furtado, de acordo com o diplomata do governo que tinha a incumbência de selecionar os que estavam atrás de trabalho.
Essas e outras tantos episódios da vida política brasileira – e da vida pessoal de Safatle, um dos maiores intelectuais goianos - podem ser conferidas pelo público na obra “A História Econômica e Política de Catalão e Outras Reminiscências”. “As páginas do livro se abrem com sucinta história da fundação da cidade de Catalão. Relatam: o assassinato do Senador Paranhos (1897); a origem da tradicional família dos Netto”, diz o escritor Geraldo Vaz Coelho, presidente do Instituto Histórico e Geográfico.
E completa: “; a Velha República e o ciclo dos coronéis; A evolução política de catalão; o regime Militar e a redemocratização; sua participação revolucionária com olhos e sonhos voltados ao marxismo; o governo Santillo: elogiável experiência no planejamento governamental; a retomada do crescimento econômico de Catalão graças ao polo Químico Mineral, indústria automotiva e o impacto na política local”, afirma Coelho, na orelha da obra.