Na década de 2010, a banda goiana Boogarins resgatou para o universo do indie rock um gênero que estava relegado a segundo - terceiro, vai lá, pra ser preciso - plano: a psicodelia. O som do quarteto é uma mistura sensual, excitante e elegante do experimentalismo eternizado pelos Mutantes nos anos 70, com uma pitada pós-tropicalista típica dos Novos Baianos e uma colherada da fritação lisérgica do Pink Floyd. De fato, a música deles é muito interessante e irradia tesão em alta voltagem pelos seus grooves, riffs e versos.
Surgida em Goiânia, que foi chamada de "Seattle brasileira" por um tempo, o Boogarins faz parte da geração de ouro que saiu dos festivais e bares da capital goianiense para impressionar o mundo. Ao lado do quarteto, pode-se colocar também a Carne Doce (cuja sonoridade é hiper gostosa, dançante e transante) como outra expoente da forte cena indie da nossa cidade. Mas o caso dos pós-tropicalistas é um pouco diferente, bem diferente, por sinal: produzem um som tão original que é até difícil enquadrá-lo ao que é feito por aí.
Sim, o compacto "Fefel 2020" consolida a atraente identidade musical do Boogarins. É uma evolução dos discos "As Plantas Que Curam", de 2013, "Manual", lançado dois anos depois, "Lá Vem a Morte", de 2017, e "Sombrou Dúvida", do ano passado. Disponível para audição desde a última quarta-feira (18), os singles são cantados pelo baixista Raphael Vaz numa vibe que remete deliciosamente à levada psicodélica da Casa das Máquinas, banda paulistana que até hoje é reverenciada por malucos belezas por conta do hit "Vou Levar Pro Ar".
O vocal viajadão de "Tanta Coragem", acompanhado por um violão suave, mostra que os goianos estão mais afiados, mais entrosados e mais concisos do que nunca. “Gravei os acordes e balbuciei melodias. Nesse dia meu inglês falhou em uma conversa com Mark e coloquei na letra o que eu tentava dizer para mim mesmo", relata Fefel. Ele lembra que retornou a Austin, nos States, para gravar a música que não seria lançada na ocasião, mas ficaria guardada em seu cordão umbilical eletrônico. "A demo ficou no meu computador por uns dias”, recorda-se o baixista.
Inspirada num insight que Fefel teve num quarto de hotel durante uma turnê do Boogarins, a primeira música do compacto foi deixada de lado porque o grupo começou a gravar o disco "Sombrou Dúvida". Mas o embrião do que seria "Tanta Coragem" permaneceu ali, esperando o momento para ser lançado. Talvez não demore muito, não é? "O ócio do artista que cultivávamos lá me permitiu acabá-la", rememora. E o resultado foi massa: já é possível imaginar fãs de psicodelia e indie curtindo essa sonzeira nos rolês alternativos de Goiânia.
"Inocência", a segunda música do compacto, foi feita a partir da encomenda do guitarrista da banda, Benke Ferraz, que a pediu a Fefel depois de retornar de uma viagem. Na época, o quarteto estava nas últimas sessões de "Sombrou Dúvidas", quando Benke foi convidado para uma residência artística em Berlim, na Alemanha, que duraria dez dias. De lá, trouxe discos de vinil para o baterista Ynaiã Benthroldo, um livro para Dinho e um kalimba de quatro notas para Fefel. Era a primeira incursão europeia sem a banda e Benke estava abalado.
“Mostrei a música e meus amigos choraram muito, disseram que a banda não iria gravar aquela demo nunca", lembra Fefel. O músico conta que Benke lhe disse que tinha muitos planos para ajudar o companheiro a pôr seu sonho em prática. "É o sonho de ser importante. Este ano meus amigos acharam que era o meu ano, 2020, o ano em que faço 30 e meu cabelo cai”, diz Fefel. Pode ser que caia, ou não, mas a música dos Boogarins, essa psicodelia excitante, continuará fazendo a cabeça, o tesão e o desejo de muita gente.
Em tempo: os shows do Boogarins que seriam realizados em Goiânia, São Paulo e Uberaba foram adiados por conta da pandemia provocada pelo novo coronavírus. A banda informa que as novas datas serão divulgadas em breve.
Ficha técnica
'Fefel 2020'
Banda: Boogarins
Gênero: Psicodelia
Disponível no site oficial da banda