A série "Marielle - O Documentário", feito pela equipe de jornalismo da Globo, reconstrói a trajetória da ex-vereadora do Rio de Janeiro e documenta justamente o fator mais jornalístico da história: a investigação em torno do seu assassinato, ainda pouco elucidado pelas autoridades. No entanto, o filme peca ao fazer de tudo para prender a atenção do espectador a partir de uma montagem exageradamente sentimentalista.
São desencadeadas ideias como as de fé, religiosidade, ausência e coletividade em meio ao sofrimento da família de Marielle e da esposa do motorista da vereadora, Anderson Gomes, morto no dia do atentado. Além disso, há um vídeo em que a psolista comemora seus 15 anos e uma cena com a mãe dela segurando um álbum de fotografias tiradas na ocasião. Mas essas escolhas do jornalista Caio Cavechini não ficam bem claras.
Até que ponto mostrar a perfilada dançando numa festa de debutantes seria indispensável para uma narrativa que se propõe a reconstituir a trajetória de Marielle Franco, símbolo do feminismo e da mulher negra ocupando espaços que sempre foram destinados para homens brancos enforcados por algo semelhante a um fio de descarga pendurado no pescoço? Até que ponto essas escolhas estéticas não beiram a pieguice gratuita?
De fato, o que se tem é um documentário que foge dos padrões chatos de cabeças 'pensantes', personalidades em evidência na esfera pública e outros especialistas em assuntos irrelevantes que falam, falam, falam e não dizer nada com nada. Justiça seja feita, o filme produzido pelo maior conglomerado de comunicação da América Latina é importante, especialmente quando já se fazem dois anos do assassinato e o há até agora são mais perguntas do que respostas.
A história engrena a partir do terceiro episódio, no momento em que os jornalistas passam a se dedicar às investigações da polícia, aos prováveis mandantes do crime e por que o atentado foi cometido. Mas, mesmo um fato de extremo interesse público tomando conta da narrativa, ainda é possível notar aqui e ali uma ou outra cena mais emotiva, como a que a filha da vereadora revela ter pensado em cometer suicídio ou quando a viúva conta detalhes de sua relação com Marielle.
A essa altura, Anderson some da série. Se nos dois primeiros episódios foram explorados sentimentalmente o choro de seu irmão e a solidão de sua esposa, Agatha, que ficou sozinha com o filho Arthur, portador de um síndrome genética rara, aqui ele nem é mencionado mais.
A série não tem um narrador, mas os jornalistas do jornal e da TV Globo guiam e reportam os fatos. Mesmo sendo apresentados com seus nomes, optou-se por não mostrar seus rostos, o que leva a cenas com plano fechado, bloco de notas em evidência, telas de computadores e um amontoado de papel.
O espectador acompanha o carro em que estavam os assassinos, vê a hora em que saíram do Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, e descobre o trajeto que fizeram até a Lapa, onde Marielle ministraria uma palestra. Nada que uma pesquisa rápida no canal do youtube do jornal O Globo não bastasse para saber essas informações.
"Marielle - O Documentário" é relevante porque mostra de uma maneira ampla o caso de assassinato de uma vereadora que se arrasta pelas entranhas da Justiça. E, querendo ou não, o filme pressiona o Judiciário para saber quem foi o mandante de um crime que era bastante comum ocorrer durante os anos de ditadura civil e militar, mas soa estarrecedor em qualquer Estado Democrático de Direito consolidado no mundo civilizado.
Ficha Técnica
‘Marielle - O Documentário’
Diretor: Caio Cavechini
Episódios: 6
Disponível no Globo Play