Elis Regina era um helicóptero no palco, com sua voz cristalizada pelos festivais, era uma peculiar expressão da encantadora brasilidade sonora da nossa música, era a briga com garçons nas mesas de bares e restaurantes, com seu sorriso cativante, mas também triste… Elis era nossa Billie Holiday, nossa Ella Fitzgerald, nossa Sarah Vaughan, nossa Nina Simone, nossa Etta James… Clássica, para todo o sempre, uma artista imortalizada. Ninguém sai ileso ao escutá-la. Elis Regina está mais viva do que nunca, vivíssima, graças a Deus!
A cantora eternizou na Música Popular Brasileira dezenas de canções e virou um mito que até hoje é reverenciado pela sua voz visceral, potente e expressiva. Após chamar atenção dos críticos e do público com “Alô, Alô, Marciano”, “Como Nossos Pais”, “O Bêbado e a Equilibrista” e “Maria, Maria”, Elis saiu de cena precocemente, mas não sem antes tornar suas apresentações nos festivais na década de 1960 lendárias, a exemplo da antológica interpretação de “Arrastão”: a música fez dela uma gigante expoente da MPB.
Nascida no dia 17 de março de 1945, Elis Regina Carvalho Costa, ou simplesmente Elis Regina, passou a infância com a família numa pequena vila operária de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e deu os primeiros passos em sua carreira se apresentando em rádios gaúchas. Aos 19 anos, Elis embarcou com o pai para o Rio de Janeiro, mas a Cidade Maravilhosa fervilhava tensão política: de um lado os militares tramavam um golpe com apoio da sociedade civil e do outro intelectuais, artistas e jornalistas faziam o possível para resistir.
Elis já era sensação na capital gaúcha. No Rio, o estilo de João Gilberto, a bossa nova, era conhecidíssima. Rapazes e moças se trancavam em seus apartamentos com a finalidade de cantar e fazer música. Essa galera não tinha mais vontade de escutar o velho samba-canção, sucesso radiofônico na década de 1950. Desejavam algo diferente, mais sofisticado, mais cool, como o jazz, porém sem perder a temperatura quente do samba. Elis, que ouvia a Rádio Nacional desde criança, cantava as músicas estrangeiras sem sotaque e com estilo.
“Em março de 1964, depois de completar 18 anos, Elis e seu Romeu (pai da cantora) embarcaram definitivamente para o Rio de Janeiro. Foram tentar a sorte. Elis contava com a promessa do produtor de discos Armando Pittigliani de contratá-la para a Philips, assim que ela rompesse o contrato que ainda mantinha com a CBS”, relata a jornalista Regina Echeverria na biografia “Furacão Elis”, obra lançada em 1985 pela editora Globo. “Elis chegou ao Rio com programas de televisão em vista e uma efervescência na noite carioca”.
Uma vez na Cidade Maravilhosa, Elis foi atropelada pela velocidade dos acontecimentos: seu talento impressionou logo na primeira vez em que ela cantou. Da TV Rio a cantora ia direito para o famoso Beco das Garrafas, em Copacabana, conhecido à época por ser frequentado pelas estrelas. Daí para brilhar nos palcos foi um pulo: consagrou-se no I Festival de Música Popular Brasileira, da TV Excelsior, e chamou atenção até do poeta Vinícius de Moraes, que a apelidara de ‘Pimentinha’ em função do seu temperamento forte e explosivo.
Rebeldia e namoros
Em meio à potência que exalava nos palcos, misturando emoção, técnica e uma busca incessante à perfeição, a vida de Elis Regina foi guiada pelo sentimento de rebeldia, por namoros, casamentos conturbados e rivalidades com outras cantoras. “Aqui fiz muita coisa importante, mas não me deixaram vencer, dizendo que “gaúcho não dá para cantar samba, pois vem com gosto de churrasco'”, disse Elis, em entrevista ao caderno “Ela”, do jornal O Globo, após participação no I Festival de Música Popular Brasileira.
A frase teria sido dita pelo compositor Tom Jobim, mas ele negou anos depois as declarações. No musical “Elis - Estrela do Brasil”, a fala preconceituosa foi creditada a Ronaldo Bôscoli, que seria o futuro marido da cantora. Essa história também foi mostrada no filme “Elis”, longa-metragem dirigido pelo cineasta Hugo Prata e lançado em 2016 - a atriz Andreia Horta interpretou a cantora no longa. A vida de Elis também foi reconstituída pela jornalista Regina Echeverria na biografia “Furacão Elis”, lançada três anos após a morte da cantora, em 1985.
Na década de 1970, Elis ajudou o cantor e compositor cearense Belchior (1946-2017) a gravar o disco “Alucinação”, considerado um dos melhores trabalhos já feitos na Música Popular Brasileira (MPB). Da obra, a cantora fez releitura das músicas “A Palo Seco”, “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais”, que foram responsáveis por impulsionar o trovador cearense para o grande público nos anos 70. Por causa de Elis, as composições que dialogam com o sentimento da juventude, de Belchior, se tornaram conhecidas, amadas e admiradas.
Adorada por fãs de diferentes gerações, a voz potente de Elis Regina ainda segue presente na memória coletiva musical brasileira. A cantora, que foi morta após uma combinação de álcool com cocaína, encantou o público e a crítica com um talento raríssimo de se encontrar. Para se ter uma ideia desse carinho todo, na manhã do dia 20 de janeiro de 1982, 500 pessoas que acompanharam a saída do cortejo do carro dos bombeiros gritaram “Elis, Elis” até o cemitério do Morumbi, onde ela foi sepultada. Por essas e outras mais, Elis é uma ícone.
Saiba mais sobre a vida e obra de Elis Regina
‘Furacão Elis’
Escrito pela jornalista Regina Echeverria, o livro-reportagem biográfico conta como foi a ascensão no mundo da música e a morte repentina da cantora Elis Regina após uma combinação com álcool e cocaína, em 1985. Autor: Regina Echeverria/ Gênero: Biografia/ Editora: Leya/ Preço: a partir de R$ 4,90 na Estante Virtual.
‘Elis’
A atriz Andreia Horta deu show ao interpretar a cantora. O filme, que foi dirigido pelo cineasta Hugo Prata e tem roteiro assinado por Luiz Bolognesi, passeia pela trajetória de Elis, desde a ascensão até a saída de cena precoce que abalou o mundo da música.