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'Gimme Shelter' narra a derrocada da contracultura após show trágico

Em 1971 o jornalista norte-americano Hunter S. Thompson enterrou o sonho hippie com o delirante livro-reportagem “Medo e Delírio em Las Vegas”, obra lisérgica que abordara a realidade deixada de fora por Tom Wolfe em seu “O Teste do Refresco do Ácido Elétrico”, lançado 1967, no auge da contracultura. A trilha sonora dos dois relatos era feita pelo rockão cru, direto e demencial dos Rolling Stones. Músicas como “Gimme Shelter”, “Sympathy For The Devil”, “Street Fight Man”, “Monkey Man” e “You Can't Always Get What You Want” faziam a cabeça dos jovens que não queriam levar a mesma vida careta dos pais.

O festival “É Tudo Verdade”, que ganhou versão remota após ser adiado por causa da pandemia do novo coronavírus, exibe nesta quarta-feira (8), às 20h, no Canal Brasil, o documentário “Gimme Shelter”, dos diretores Albert Maysles, David Maysles e Charlotte Zwerin. Talvez o mais importante filme sobre música jovem de todos os tempos, o longa-metragem inicialmente era para ser apenas um registro de uma turnê dos Rolling Stones em solo americano. No entanto, a obra se tornou o mais intimidante relato já filmado sobre o espírito do rock and roll. Tretas, pancadarias, espancamentos e esfaqueamentos: todos esses elementos aterrorizantes foram captados.

Mick Jagger durante apresentação em Altamont

Ao som de “Under My Thumb”, um jovem foi assassinado na frente do palco por integrantes dos Hell's Angels, temida gangue que tocava o terror nos Estados Unidos e que havia sido escalada para a segurança dos Stones em Altamont. O clima pesado que pairava sobre a turnê “Gimme Shelter” atingiu seu momento mais tenso naquele ano de 1969. Em julho, o guitarrista Brian Jones – que tinha deixado a banda pouco antes – foi encontrado morto após se afogar na piscina de sua mansão. Até hoje a morte não está totalmente esclarecida. Dois dias depois, já com Mick Taylor como substituto, os britânicos fizeram um show histórico no Hyde Park, em Londres, com Jagger dedicando um poema in memoriam à Jones.

Exibido no Festival de Cannes 1971, mas sem concorrer à mostra principal, “Gimme Shelter” é guiado pelo inerente clima de tensão. O filme é um retrato espontâneo sobre como funciona a violenta sociedade norte-americana. Com uma abordagem centrada no chamado cinema-direto, o espectador assiste a vida agitada dos britânicos, bem como a correria de outros profissionais para deixar tudo em cima quando a banda - gigantesco sucesso de público e crítica - subisse ao palco para se apresentar. A premissa dos irmãos Maysles era simples: ligar a câmera, deixar rodar, captar a essência roqueira... Sem roteiro, sem discurso pré-concebido e sem encenações... Bem fácil, não é mesmo?

Como a sensação de que a coisa ia descambar para a pancadaria permeia todo o filme, os cineastas intercalam os shows mais tranquilos da banda na turnê “Gimme Shelter” com imagens dos músicos acompanhando o processo de montagem do documentário a fim de compreenderem (tchan, tchan, tchan...) o que deu tão errado na apresentação de Altamont, que era para ser o “Woodstock do Oeste”. Enquanto acompanhamos as frivolidades da banda e curtimos o bom e velho rock and roll, o filme pouco empolga, uma vez que o cinema-direto depende do desenrolar da história. Mas acredite, ao chegarmos na hora da apresentação, o longa fica mais interessante.

Integrante da gangue Hell´s Angels foi morto em frente ao palco durante show dos Stones

Os documentaristas, com incumbência de capturar a alma stoniana, tiveram a expertise de registrar a aglomeração do público. Filmaram ainda a galera, os fãs no caso, um bando de bicho-grilo porra-louca, fazendo sexo ao ar livre, fumando um beque, tomando um ácido, bebendo um goró e curtindo a sonzeira de bandas como Jefferson Airplane (representante fiel dos ideias personificados pela contracultura). Mulheres dando luz em meio ao ruído das guitarras também fazem parte de “Gimme Shelter”. Ué, aqueles tempos eram de desbunde, de rompimento com normas e regras, de amor livre, de liberdade... não seria coerente esperar o contrário... não seria, não seria…

“Gimme Shelter” chega ao seu ponto máximo no momento em que o show dos Rolling Stones (chapados e sem entender a muvuca em frente ao palco) foi interrompido quando um fã foi morto por um Angels. Meio século depois, mesmo ao compararmos a eventos como Roskilde (catástrofe que culminou na morte de oito pessoas durante o  festival, em 2000), Altamont continua chocante. O que faz o documentário dos irmãos Maysles um clássico não são as cenas de sexo, drogas e rock and roll, e sim a derrocada do sonho hippie, da coletividade, da vida alternativa, em comunidade. “Gimme Shelter” é o fim da utopia da contracultura.

Serviço

‘Gimme Shelter’

Quando: hoje

Horário: 20h

Onde: Festival É Tudo Verdade, no Canal Brasil

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