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Antologia reúne textos inéditos e clássicos de Luis Fernando Veríssimo

“Triste escriba das coisas miúdas”, definia-se o escritor Machado de Assis, em sua faceta de cronista, com tom de deboche em relação ao ofício de produzir textos efêmeros que não reivindicam o primor literário esbanjado por romancistas ao longo dos séculos, mas que ajudam a arejar o noticiário engravatado pelas sílabas dos poderosos e enforcados pela pompa textual encaixotada do primeiro caderno. Machado destinava a si mesmo as tintas da ironia, todavia suas crônicas diárias - ou quase - serviam-lhe para afiar a escrita a caminho do consagrador romance, bem aqueles saborosos que estão tarimbados na História da literatura.

A posteridade não demorou pra começar a fazer justiça a Machado. Suas obras, do conto ao romance, passando – é lógico – pela crônica são preciosos documentos com significativa importância historiográfica. “Contos Fluminenses”, por exemplo, percorre as ruas, as bodegas, o comportamento, tudo e mais um pouco, da alma do Rio de Janeiro durante o período colonial, no final do século 19. “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, bem, “Memórias Póstumas”, é um tesouro da arte de contar histórias, no sentido literal, ao pé da letra: a começar pelo narrador, sujeito que morreu, mas relata tim tim por tim tim como foi sua vida.

Veríssimo esbanja olhar singular para o ser humano - Foto: Ricardo Jaeger/ O Globo/ Reprodução

Machado tinha um faro singular pra captar a alma humana. Luis Fernando Veríssimo, 83, guardadas, sem dúvida, as devidas proporções, idem. É o que mostra antologia que reúne cinco décadas de produção textual de Veríssimo, a ser lançada nesta terça-feira (2) pela Companhia das Letras. Misto saboroso de inteligência e humor - duas das marcas registradas da prosa do cronista -, os escritos expõe com leveza o cotidiano brasileiro e provocam imediata identificação nos leitores de jornal, onde ele traduz em poucas linhas a complexa natureza humana. Sua militância verbal é antiga, começa mais precisamente em 19 de abril de 1969, no Zero Hora.

De lá pra cá, não parou mais: publicou em Veja, O Globo, O Estado de São Paulo e Playboy, com textos divertidos, eróticos e elegantes que fizeram sucesso na extinta ‘Revista do Homem’. Veríssimo, desde sua estreia, passou pela ditadura dos gorilas fardados, retratou a redemocratização, viveu a revolução digital e o clima de polarização política e cultural que domina o cenário sociopolítico brasileiro nos últimos anos. Consagrou-se pelo olhar preciso, capacidade de articular pensamentos em pouco espaço e pioneirismo no campo das ideias. Por vezes, faz-se necessário lembrar, “Antologia Veríssimo” foi acrescido de alguns contos.

Trata-se, isso sim, de uma fronteira difícil de delimitar. No entanto, aquele que espera uma organização cronológica, isto é, imagina que seu talento não era tão maduro no início, se surpreenderá. Luis Fernando Veríssimo, ao batucar as primeiras palavras despretensiosas de cronista de costumes, estreou pronto, e ao longo das décadas – embalado pelo exercício quase diário da escrita – aprimorou e consolidou seu estilo. A leveza literária foi saboreada pelo público em “As Mentiras Que os Homens Contam” (2000), com tiradas sagazes, e “Banquete com Os Deuses”, uma caminhada pela obra de seus mestres do jazz, literatura e cinema.

Escritor é um notório fã de jazz - Foto: Autor Desconhecido

“Antologia Veríssimo” é uma celebração a esse escritor, sintético, conciso e elegante. “Verissimo escreve como quem respira, mas esta respiração é sobretudo inspiração. De sua inteligência e cultura brotam sem cessar ideias originais, que alargam o horizonte cultural dos leitores. E, principalmente, fazem a nossa vida melhor. O Brasil de Luis Fernando Verissimo é o Brasil autêntico, o Brasil criador, o Brasil no qual podemos ter esperança", atestou o escritor Moacyr Silar, outro gigante da crônica brasileira, esse que é um gênero genuinamente tupiniquim, tal como o samba. E se assim o é, deve-se a Veríssimo um considerável crédito.

Com fama de ser lacônico, Luis Fernando Veríssimo pode dar-se ao luxo de simplesmente se abster de falar. Se diante dos outros ele é monossilábico, o mesmo não se pode dizer de sua literatura, embora seja bem amarrada. Veríssimo, dentre outras facetas literárias, bate uma bola – redonda, diga-se – na arte da crônica esportiva. Juca Kfouri que o diga: “Ouço um disparar de teclado no quarto ao lado. Era mesmo como se fosse uma metralhadora. Foi coisa de dez minutos ininterruptos, ao cabo dos quais pude ouvir o barulho de uma torneira aberta e da escova de dentes batida na pia”, anota o jornalista, em “Meninos Eu Vi” (2003). Gênio, gênio.

Ficha Técnica

‘Antologia Veríssimo’ - Meio século de crônicas (ou coisa parecida)- (e-book)

Autor: Luis Fernando Veríssimo

Gênero: Crônica e conto

Editora: Companhia das Letras

Preço: Site da Cia das Letras

Capa da obra - Foto: Companhia das Letras/ Divulgação

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