Eis uma (provável) definição do rock: revolução juvenil. O rock’ n’ roll, quem imaginaria, não é mesmo?, atravessou as últimas décadas – desde a primeira metade dos anos 1950, pra ser mais exato – movido a sexo, drogas e ao seu próprio som. Não pensem vocês, no entanto, que foi uma labuta fácil. Entre um trago de birita, um retoque no batom da sacanagem e uma transa com o espírito da transgressão, o gênero viveu um romance conturbado com os draconianos pilares que sustentam a sociedade. Num momento, era o queridinho da indústria fonográfica e dos magnatas do rádio e, na mesma rapidez com que piscamos os olhos, era deixado de lado.
Na semana que antecede o Dia Mundial do Rock, a ser comemorado na próxima segunda-feira (13), o Diário da Manhã se debruça sobre as singularidades desse gênero celebrado por multidões, massacrado pela ética protestante do Tio Sam, explorado por publicitários gananciosos, estudado por historiadores, agredido por puritanos, cooptado pela moda, revolucionado pelos Beatles, sujado pelos Stones e – desculpem, mas isso era inevitável – violentado por Coldplay e Bon Jovi. Viveu bons e maus momentos, chegando a ser sentenciado como morto em certas ocasiões. Mas, como Dionísio, o Deus grego da embriaguez, sempre ressurgiu das cinzas.
É, de fato, uma história e tanto, a do rock. Segundo o jornalista e guru da contracultura no Brasil da geração do desbunde, Luiz Carlos Maciel, a formação do gênero ocorreu com o então caminhoneiro Elvis Presley lá pelos idos de 1954, quando o cara entrou no estúdio para gravar “That´s Allright Mamma”. Foi dele o primeiro disco do gênero (importado) a chegar ao Brasil. Mas vamos esclarecer uma coisa: Elvis não criou o rock. Antes dele, Chuck Berry já mandava ver seus dedilhados endiabrados por bares do sul dos States. Desde o fim dos anos 1940, pelo menos, o termo rock ´n´roll aparecia em músicas como sinônimo de “dançar” ou “fazer amor”.
Desde sua origem, o rock, diz o historiador Rodrigo Merheb em “O Som da Revolução”, prosperou numa estrutura mercantilista própria do capitalismo enquanto tinha a pretensão de implodir o sistema que ajudou a explanar a difusão do gênero. Elvis, agora sim, pra ser justo, foi o primeiro mensageiro a apresentar o novo estilo de fazer música ao mundo. Na visão dos endinheirados da indústria cultural, ele era o sujeito certo na hora certa: bonito, talentoso e carismático. E, para uma sociedade fundada sob a segregação racial, era branco. “Elvis era incrível, mas ele não foi um criador. Não quero dizer com isso que fosse pior, mas os autênticos criadores do rock‘n’roll foram negros”, disse, certa vez, o pianista Little Richards.
Sim, o rock ´n´roll é black music. Assim como o blues, jazz, hip hop e o samba, o gênero tem suas raízes plantadas durante o período da escravidão na migração forçada de africanos, que foram tirados à força de suas terras e jogados num lugar estranho. Todos esses gêneros possuem características comuns, oriundas da África. A começar pela base rítmica, fundamentada na constante repetição de acordes e também pela utilização da canção enquanto instrumento para expressar sentimentos e espiritualidade. Nas plantações de algodão dos Estados Unidos, os escravos cantavam para lembrar sua ancestralidade e aguentar a jornada desumana imposta pelos escravocratas.
Por ter seu DNA na música negra, o som de Little Richards, Chuck Berry e Bo Diddley despertou a fúria da organização neonazista Ku Klux Klan. No dia 14 de julho de 1960, o radialista Shelley Stewart, aliás um negro, vale lembrar, apresentava um programa de rock na estação WEDR, em Alabama. Em sua maioria, o público alvo era branco, pois aprenderam a curtir os artistas que faziam aquele som mais acelerado que o DJ reduzia na rádio. Mas isso não impediu que encapuzados ameaçassem invadir o local. Stewart, inteligentemente, avisou o pessoal da platéia – constituída por aproximadamente 800 pessoas. Resultado: eles foram pra cima dos racistas, que recuaram.
Sociedade de consumo
Os Estados Unidos tinham passados por duas guerras mundiais e pela Grande Depressão até meados do século 20. Ser jovem por essas bandas, como reportou o escritor John Fante, significava trabalhar até morrer para ajudar os pais a botar comida na mesa. Para os parâmetros da sociedade de consumo, o adolescente não existia. As engrenagens da indústria cultural, e os produtos frutos da reprodutibilidade técnica, como filmes, discos e livros não o contemplava. Pais e filhos precisam gostar das mesmas coisas, tipo as baladas cafonas de Frank Sinatra e a música de canastrão de Pat Boone. Mas isso estava prestes a mudar, e não demoraria muito.
Após o desastre humanitário provocado pela Segunda Grande Guerra, o Tio Sam entrou numa fase de aquecimento da economia e os adolescentes – que há até pouco tempo eram duros, do ponto de vista financeiro – começaram a receber um trocado de seus pais de mesada. E um novo mercado, de olho no ímpeto rebelde da juventude, começou a crescer. Hollywood, aquela famigerada fábrica cinematográfica adepta do fordismo, passou a surfar na onda, fazendo filmes que em pouco tempo viraram fenômenos de bilheteria, como “O Selvagem” (1954) e “Rebelde Sem Causa” (1955), que revelaram Marlon Brando e James Dean, respectivamente.
A rebeldia estava na crista da moda. E eis aí que está o pulo do gato: se a indústria cultural vive de cifras, é claro que chutar o balde, brigar com os pais e quebrar paradigmas daria retorno aos cofres das gravadoras e produtores. Foi neste momento que Elvis Presley virou um mito, fez sucesso arrebatador e mexeu com a cabeça de jovens. E haja filmes, discos, revistas, livros (os beats, por exemplo), badulaques, calendários e o escambau a quatro. Elvis, o bonitão que afrontava a moral cristã, se tornou uma figura mais popular do que presidente americano da ocasião, Eisenhower. Mesmo com o enorme sucesso, já se previa o fim do rock.
Para arrebentar a boca do balão, Elvis foi servir o quartel no final dos anos 50. Chuck Berry, o guitarrista encapetado que estalou a percepção musical do jovem Keith Richards, foi parar no xilindró após ser flagrado atravessando uma fronteira estadual acompanhado por uma prostituta menor de idade. Depois de ouvir “um chamado de Deus”, Little Richards virou pastor numa fase, digamos, um tanto estranha de sua carreira. Jerry Lee Lewis, pianista do tipo que botava fogo em seu instrumento, casou-se com sua prima de 13 anos, e caiu no ostracismo. Já Buddy Holly, autor do single “That'll Be The Day”, morreu num desastre aéreo.
O rock tornou-se, nos anos seguintes, como você vai ler durante a semana, a trilha sonora de uma geração. É muita coisa.