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CULTURA

No tempo do teatro

O título é bem sugestivo: Festival Arte como Respiro. O financiador: Itaú Cultural, entidade da iniciativa privada que sempre impulsiona às artes. Desde que o setor foi nocauteado pela pandemia de coronavírus, lá se vão quatro meses numa quarentena sem o menor sinal de desfecho. As principais instituições que financiavam espetáculos teatrais, incluindo aí os recursos oriundos das leis municipal, estadual e federal de fomento à cultura, paralisaram suas programações e todo mundo saiu perdendo, a começar pelos trabalhadores da área, figuras – eu diria – importantes para que tenhamos alento artístico sem ceder à incerteza da moléstia.

Ao longo de oito dias, o site da entidade receberá performances, quadros de dança, números circenses, cenas e espetáculos criados antes e durante o período de isolamento social. O Festival Arte como Respiro – Edição Cênicas terá 26 obras exibidas na plataforma online do Itaú Cultural durante 24h, cada uma. Trata-se, essa leva de apresentações, da primeira série com os resultados dos editais de emergência abertos em março deste ano pela instituição a fim de apoiar artistas de diferentes linguagens que passam dificuldades na pandemia. O primeiro bloco de espetáculos começa hoje, às 20h, e se estende até o próximo domingo (19).

Atriz Lívia Falcão em cena do espetáculo 'Rezos da Xamãe Zanoi' - Foto: Olga Ferrario/ Divulgação

As obras contempladas pela maratona de apresentações abordam de questões raciais, sociais e de gêneros até fatores individuais e coletivos provocados pela supressão social. Na noite de abertura, o público poderá maratonar em dois espetáculos criados no período da pandemia. A peça “Rezos da Xamãe Zanoia”, uma série de cinco vídeos e pílulas definida como medicina do riso produzido pela atriz pernambucana Lívia Falcão, mostra a missão da índia Zanoia de gargalhar de si mesmo, que vive em terras distantes e faz vídeo-chamada para a Terra com o objetivo de compartilhar saberes. “É um espetáculo auto-biográfico”, diz Lívia, por telefone, ao DM.

Além disso, relata a atriz, o espetáculo busca reencontrar o elo com a natureza. “Toda a humanidade está convidada para retornar às suas origens”, sentencia a atriz, que atuou no longa-metragem “Lisbela e o Prisioneiro” (2003), de Guel Arraes, e na telenovela “Belíssima” (2005), de Silvio de Abreu. Ela acredita que precisamos rever nossos hábitos, nossa relação com a natureza e com a nossa ancestralidade. “A arte vem para nos ajudar a respirar, a viver, a rir, a chorar”, reflete. Portanto, crê Lívia, é função dos governos e das empresas compreenderem que isso é fundamental. “Para a existência e para ajudar a viabilizar os espetáculos artísticos”.

Em seguida, entra em cena a peça “O Louco e a Camisa”, dirigido pelo ator e diretor paulista Elias Andreato, vencedor do prêmio Shell de melhor ator, em 1990. O espetáculo conta a história de uma família cujo relacionamento é guiado pela hipocrisia e que vê o filho – por falar o que pensa – como um louco. “O personagem é o de maior lucidez porque diz as verdades”, afirma o diretor ao DM, também por telefone. “O Louco e a Camisa” mantém-se firme no bálsamo da mais solene filosofia existencialista nietzschiana. Por isso, enquanto o restante do micro-poder familiar busca parecer o que não é, o louco é que se mostra o mais lúcido deles.

Peça 'O Louco e Camisa' aborda relacionamento familiar é guiado pela hipocrisia - Foto: Rayan Ribeiro/ Divulgação

“Dentro da família tem a mãe que esconde e o pai que é ausente. Ele (o filho) propõe que as pessoas digam a verdade”, diz Elias, ator que interpretou papéis em filmes, teatro e televisão. O diretor afirma que o Festival Arte como Respiro é uma iniciativa importante por proporcionar ao público a chance de conhecer obras artísticas que não são de seus estados. “Estimula a cultura de todo o País. Eu acho importante neste momento apoiar todas as categorias profissionais”. Os artistas, diz ele, também são trabalhadores. “É importante que isso seja estimulado”, atesta Elias, que faturou o prêmio IBEU de melhor direção, em 1996.

Final de semana

O circo, a dança e o musical serão o fio condutor, no final de semana, da programação do Festival Arte como Respiro. Amanhã, os argentinos radicados na Bahia, da Cia Circo da Lua, entram em cena (virtual), às 15h, com o lançamento do infantil “MultiplicArte”, curta apresentação com os palhaços Carrapicho e Andorinha. De saco cheio de ficarem em casa na pandemia de coronavírus, os dois buscam mudar suas realidades com arte e magia. As peripécias da dupla passaram a bola para o espetáculo “Shake Shake Show”. Conhecidos em São Paulo pela verve da dramaturgia inglesa, o grupo Vagalum Tum Tum traz poesia e humor com montagens de clássicos shakespearianos.

À noite, ao findar o segundo episódio de “Rezos da Xamãe Zanoia”, entra em cena o espetáculo “Tecituras”, com foco na natureza. Os mineiros registram a pré-pandemia a partir de processos de improvisação em espaços públicos das cidades em que passaram, construindo relações permeáveis entre corpo, objeto, imagem, sonoridades, voz e arquitetura. E no domingo (19), o festival segue sua programação com espetáculos que abordam isolamento e memória afetiva. O público infantil poderá curtir ainda a curta peça “O Concerto”, do Circo Québra.

 Peça “Rezos da Xamãe Zanoia”, que será exibida hoje - Foto: Olga Ferrario/ Divulgação

Os paulistanos da Ávila Produções trazem “A Menina Kung Fu”, peça com acessibilidade em Libras onde uma garota de nove anos portadora de deficiência visual é apaixonada pela arte oriental do kung fu. A primeira semana do festival finaliza com a sessão das 20h, aberta pela terceira chamada de “Rezos da Xamãe Zanoia”, da atriz Lívia Falcão. Quem fecha a série de espetáculos é “Histórias de Pescadores”, uma peça do cearense Coletivo Zanzulim, que conta poeticamente a história da praia do Mucuripe, em Fortaleza (CE). O Festival Arte como Respiro, por essas e por outras, é um alento em tempos de incertezas.

Serviço

Festival Arte como Respiro – Edição Cênicas

Quando: 17 a 19 de julho (hoje a domingo)

Onde: www.itaucultural.org.br

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