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Documentário mergulha em cotidiano de excluídos

Adoniran Barbosa detém tanta identificação com a classe trabalhadora que sua obra se faz a trilha sonora ideal para ilustrar a labuta proletária. Da saudosa maloca aos corintianos de Itaquera, Adoniran conseguiu um lugar ao sol cantando os versos da mulher, do patrão e da cachaça – que, como ele mesmo diz, “em qualquer canto se acha”.

Deste modo, Adoniran – Meu Nome é João Rubinato”, documentário dirigido por Pedro Serrano, a ser exibido nesta quinta-feira (6), às 20h, no Canal Brasil, como parte da programação do festival É Tudo Verdade, é uma trip ao cotidiano dos que ficaram à margem do processo modernista da cidade. 

Adoniran é um personagem, uma das facetas de João Rubinato, sujeito que nascera em Valinhos (SP) em 1910. E que desde a primeira metade do século 20 – quando a cidade de São Paulo tornou-se o centro industrial do Brasil – tentava dar seus primeiros passos na estrada do sucesso.

O compositor, assim como Francisco Alves, o maior cancioneiro da época, simulava um vozeirão encorpado e ia atrás de oportunidades para aparecer sob os holofotes radiofônicos da Rádio Record. Não demorou, é verdade, ainda que esses primeiros passos tenham sido íngremes, para Rubinato mostrar sua singularidade poética e musical.

Documentário sobre Adoniran Barbosa chega às plataformas digitais
Cena do documentário 'Adoniran - Meu Nome é João Rubinato' - Foto Pandora/ Reprodução

“Adoniran – Meu Nome é João Rubinato” conta com vasto material documental e enfoca as mudanças do poeta do povo. Já com o incomum pseudônimo que lhe garantiu um lugar de destaque na história do samba e desmentiu Vinícius de Moraes, ele passou a conceber canções que canalizavam o jeito único com que falava, o jeito dos desprivilegiados, o jeito dos trabalhadores.

“Faço letras com erro de português, porque é assim que o povo fala”, dizia. E foi a partir dessa maneira única de se expressar que Adoniran compôs “Saudosa Maloca”, ainda na década de 1950, e o maior clássico de sua carreira, “Trem das Onze”, estouro nos anos 60, com os Demônios da Garoa.

O mais surpreendente do filme, sem dúvida, é o momento em que a carreira de Adoniran é passada a limpo por Serrano. O cantor despontou, vejam vocês, quando integrou o quadro de atores do filme “Caídos do Céu” (1946), com Dercy Gonçalves e Walter Dávila. Sem muitas pretensões, no entanto. Esteve ainda no elenco de um dos clássicos do nosso cinema, “O Cangaceiro” (1953), cuja direção é de Lima Barreto e os diálogos da romancista Rachel de Queiroz, uma das maiores expoentes da literatura brasileira.

Mesmo seu lado cênico sendo pouco conhecido, ele foi resgatado para que seu perfil fosse polifonicamente reconstituído. Uma vez conhecido, o que levou a cantora Elis Regina a lhe tecer elogios, Adoniran parou de ser chamado para dar ponta em filmes, e passou a interpretar a si mesmo. Sua última aparição ocorreu em 1977, em “Elas São do Baralho”.

Poesia e música

“A sua poesia e a sua música são ao mesmo tempo brasileiras em geral e paulistanas em particular. Sobretudo quando entram (quase sempre discretamente) as indicações de lugar, para nos porem no Alto da Mooca, na Casa Verde, na Avenida São João, na 23 de Maio, no Brás genérico, no recente metrô, no antes remoto Jaçanã”, escreveu o crítico literário Antonio Candido, em texto lido no filme.

A análise, aliás, expressa a força da arte de Adoniran na construção de uma poética singular, única, genuína. É importante destacar, no entanto, que trata-se de um texto concebido, pensado e redigido para ser lido, e não filmado. Em certa medida, isso torna essa parte do filme, digamos, um tanto monótona, meio lenta até, mas nada que ofusque a talentosa e louvável direção de Pedro Serrano.

Afinal, Serrano obteve êxito ao reunir um aparato documental raríssimo, pouco visto pelos fãs: entrevista com Elis Regina, imagens de Adoniran caminhando pelas ruas ao lado de nossa Édith Piaf, está tudo ali para quem quiser ver.

Até momentos hilários estão em “Adoniran – Meu Nome é João Rubinato”, com depoimentos de amigos que inspiraram canções do cantor, como a conhecida “Samba do Ernesto”. Sempre, é claro, numa linguagem com a qual o povo se identifica. Por isso, a arte de Adoniran interage com lugares em que circulam conversas e histórias vividas por pessoas comuns.

Em stricto sensu, seus versos são a crônica da cidade, uma poética em sintonia com as vozes daqueles que, em meio ao contexto de urbanização de São Paulo, sobrevivem no espaço de exclusão. Então, anote na agenda: é hoje, às 20h, no Canal Brasil, ou no Now quando quiser.

Ficha Técnica

‘Adoniran – Meu Nome é João Rubinato’

Direção: Pedro Serrano

Gênero: Documentário

Quando: hoje

Horário: às 20h

Onde: Canal Brasil

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