Paulo César Pereio, 79, dá a letra: “Já tive vontade de brincar com os homens, traçar em grandes linhas os caminhos dos comedores de carniças”. A performance, baseada em textos clássicos do teatro, faz parte da programação do FarOFFa – Circuito Paralelo de Artes de SP, que ficará disponível para o público virtualmente até o próximo domingo (16). No experimento cênico “Krísis – Fragmento ZEUS”, Pereio interpreta o Deus Grego, abordando as mazelas da sociedade contemporânea a partir de conflitos do ser humano, tão presente naquela época assim como no atual mosaico delirante que escancara as contradições do nosso País.
A cena faz parte de um dos cerca de 130 espetáculos que integram o FarOFFa. Ao todo, a mostra conta com nove palestras do Encontro Mundial de Artes Cênicas (Ecum) e três sobre a internacionalização das artes. A programação poderá ser acessada em quatro salas simultâneas, com ingresso à base do pague quanto puder. Para o encerramento, está prevista uma apresentação do cantor, ator, diretor e produtor musical, André Muato. Quatro peças de companhias goianas fazem parte do cardápio cênico, além de três espetáculos brasilienses, fruto da parceria entre Corpo Rastreado, produtora do festival, e Manga de Vento.
No FarOFFa, vê-se ainda o olhar sensível da atriz goiana Valeria Braga, que dedicou-se durante anos à direção e formação em teatro, e ele é capaz de provocar ou reatar compromissos com as artes cênicas. Por isso, ela colocou o monólogo “Espécie” (2013) ao lado de “Não Posso Esquecer (2016). “Valeria é uma das poucas mulheres que se apresentam como diretora teatral em Goiânia e que mantém uma produção investigativa singular permanente de maneira autônoma e autoral, fora dos abrigos institucionais, num contexto declaradamente misógino, chauvinista”, diz o professor do curso de Artes Cênicas da UFG, Kleber Damaso Bueno, 41.
Dessa sensibilidade que é borrifada aos espectadores pela atuação de Valeria, entramos em contato com a verve dramática que irradia pelos poros artísticos do chamado teatro candango e também goiano a partir do artista Hugo Rodas. Hugo conecta os espectadores à atriz goianiense Giselle Rodrigues. Professora do curso de Artes Cênicas da UNB, ela acentua a luminosidade do black multicolorida do ator, dramaturgo e diretor Jonathan Andrade. De uma inventividade criativa, veio ainda a indicação da proposta do Coletiva Antônia de realizar um teatro com alma sensorial voltada à infância, com direção de Rita Almeida Castro, também ligada à UNB.
“Eu me espanto com esse impulso vital de fazer arte. É como equilibrar a balança entre o comportamento egóico diante do precipício e nossa real necessidade de viver em sociedade”, Kleber Damaso Bueno, professor de Artes Cênicas da UFG
Já o espetáculo “Três em Cena” é conduzido por Rafael Guarato, coordenador do curso de dança da UFG. A performance investiga a sobrevivência urbana e convida o público a pensar sobre a cadência entre corpo e cidade. “Eu me espanto com esse impulso vital de fazer arte. É como equilibrar a balança entre o comportamento egóico diante do precipício e nossa real necessidade de viver em sociedade”, sentencia Bueno. Ele afirma que o movimento e mobilização em torno do FarOFFa aumenta a certeza de que as ameaças fortalecem a arte. “O que a sociedade não aceita e rejeita é que a arte já escolheu pelo incomum.”
Continuar existindo
Com o objetivo de pensar estratégias e alternativas para que as chamadas artes presenciais possam continuar resistindo aos desmandos verde-oliva, a Corpo Rastreado propõe em sua 2 ª edição – inteiramente online do FarOFFa – um programa com trabalhos que engloba teatro, dança e performance. E em meio a essa gama de possibilidades, o público dispõe de um volume de obras que – salvo em raras exceções – não estão ao seu alcance, seja pela falta chances de sensibilizar-se a partir dos sentimentos que só a arte tornam possíveis, seja porque a engrenagem das artes foram paralisadas durante a pandemia de coronavírus.
“Talvez seja justamente a sensibilidade presente na arte que consiga apontar caminhos para transpor nossa precária condição pandêmica de sobreviver para encontrar novas e reais formas de conviver”, argumenta Bueno, que também é artista, pesquisador e jardineiro. Deste modo, continua o professor, é preciso estar e permanecer juntos sem extinguir nossas diferenças e particularidades. “Enquanto houver um pensamento ou uma idéia que valha a pena dividir, haverá espetáculo. O direito ao pensamento também é uma forma de defender a vida em sua multiplicidade e complexidade. E o espetáculo não pode parar”, reflete.
Serviço
Os Saltimbancos Agrupação Teatral a Macaca e Hugo Rodas (DF)
Hoje. 11h30. Sala Teat(r)o Oficina. Classificação Livre.
Estilhaço ou Carcomer Silenciosamente Anna Behatriz Azevedo (GO)
Hoje. 13h00. Sala Teat(r)o Oficina, Classificação Indicativa 10 anos.
Espécie Valeria Braga e Rodrigo Cunha (GO)
Amanhã. 13h30. Sala Teat(r)o Oficina. Classificação Indicativa 14 anos.
Não Posso Esquecer Valeria Braga e Maria Ângela Ambrosis (GO)
Amanhã. 18h. Sala Vila Velha. Classificação Indicativa 14 anos.
Caipora Quer Dormir Giselle Rodrigues e Jonathan Andrade (DF)
Domingo. 13h. Sala Terreiro Contemporâneo. Classificação Indicativa 14 anos.
Desvios táticos-estratégicos para sobreviver à vida urbana Três em Cena (GO)
Domingo. 17h30. Sala Cine Horto. Classificação Livre.
Voa Coletivo Antônia e Rita Almeida de Castro (DF)
16/8. 10h. Sala Terreiro Contemporâneo. Classificação Livre, indicado para crianças de 0 a 5 anos.