Beth Goulart aparece na tela do Zoom. Está em sua casa, em um condomínio no bairro do Recreio, no Rio, de onde conversa com a reportagem. Sua fala é doce e seu semblante, sereno. Mas inevitavelmente a tristeza vem à tona quando ela se lembra da mãe, a atriz Nicette Bruno, que morreu aos 87 anos, há pouco mais de um mês, no dia 20 de dezembro, após perder a batalha contra a covid-19. A voz embarga, a saudade bate forte. Difícil não se emocionar com Beth. Afinal, Nicette era uma espécie de membro da família de cada brasileiro.
Foram décadas encantando gerações, ao interpretar os mais diversos personagens na TV. "Era a mãe de todos", define a filha, também atriz. Difícil não se entristecer junto com Beth. Afinal, o desfecho trágico da vida de Nicette foi o mesmo dos outros mais de 220 mil brasileiros que também não sobreviveram ao coronavírus.
"Éramos muito unidas, fazíamos aulas juntas, viajávamos juntas. Eu colocava a mamãe muito na minha vida. Isso dava uma intimidade muito grande entre nós. É claro que sinto falta dela, é claro que eu adoraria recebê-la: 'Mãe, vem almoçar comigo'. Não vai poder mais almoçar comigo", diz, emocionada.
Na semana passada, Beth representou a família na homenagem feita a Nicette no Prêmio São Sebastião de Cultura, no Rio. "Ainda estou sensível, estou sentindo falta da presença dela aqui. Mas a presença dela está tão aqui no meu coração sempre. Então, cada vez mais essa dor vai ser substituída por uma imensa gratidão, pelos momentos maravilhosos que vivemos juntas, pelo humor. Mamãe era uma mulher muito alegre, muito feliz."
Nicette morava no mesmo condomínio que ela. Aliás, conta a atriz, a mãe chegou a realizar o sonho de ter os filhos - Beth e seus irmãos, os atores Paulo Goulart Filho e Bárbara Bruno - morando perto dela. Ela cumpria isolamento à risca havia 10 meses. Esperava a vacina chegar.
Não deu tempo. Recebeu um parente, que, sem saber que estava contaminado, acabou transmitindo o vírus para ela e para outras pessoas da família, como o próprio Paulo Goulart Filho. Beth e Bárbara não pegaram covid. "Foi extremamente rápido. Foram 21 dias desse processo. Ela foi entubada. Ela começou três dias sem nada. Achou que até estaria assintomática. Mas no 5.º dia começou a febre, começou o processo. Mamãe tinha 87 anos, era diabética, tinha colocado um stent. O médico falava assim: ela não pode pegar, porque ela é a tempestade perfeita. Se pegasse, tudo indicava que teria um desenvolvimento mais grave da doença. Por isso, tomávamos todos os cuidados. Mas, enfim, imprevistos acontecem, como no caso aconteceu."
Beth fala do sentimento de impotência por se tratar de "uma doença muito cruel, porque isola o doente e também isola a família". "As coisas foram se agravando dia a dia. Então, nesse momento, se você não se alimenta de fé, de uma confiança no poder superior que vai acontecer o que for melhor para ela. Chegou uma hora que eu já orava para isso: 'Mãe, que seja o melhor para você'."
A atriz diz que reza pelo parente que passou covid para a mãe. "É um pouco você lidar no seu coração com o sentimento do perdão. Perdoar é amar em dobro, é você aceitar que as pessoas erram, que às vezes as pessoas são inconsequentes. São dificuldades do processo de cada pessoa, que a gente tem que orar, sim, para que essa pessoa tire uma lição disso, que não tenha sido em vão essa situação, que traga uma consciência, um chamamento: 'Preste atenção, houve consequências da sua atitude'. Por mais que tenha causado dor, quem somos nós para julgar?" (Agência Estado)