O poeta Cacaso andava pelos corredores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) com óculos de aro metálico de lentes grossas redondas, calça jeans azul Lee e sandálias do tipo franciscanas. Esse era seu visual: quase uma espécie de Allen Ginsberg dos trópicos, singelamente contracultural e bem hipongo.
Calmo, tranquilo e sereno, Antonio Carlos de Brito lecionava Teoria Literária no curso de Literatura Brasileira da PUC. De 1975 a 1985, não era difícil esbarrar no intelectual pelos corredores da universidade. Ele era o escritor afiado que publicava artigos em jornais de prestígio entre o público contrário à ditadura militar, mas Cacaso passava ao largo de fazer o tipo acadêmico sisudo, ainda que fosse um pensador fino, pioneiro em compreender as transformações que a Geração Mimeógrafo fez na poesia brasileira.
Mas a obra desse poeta que tanto ilustrou o cenário repressivo dos anos 1970 no Brasil fardado há muito se encontrava esgotada nas prateleiras de livrarias e sebos: alguns títulos, inclusive, chegavam a custar uma pequena fortuna. Quem tinha essas preciosidades de macia poética e verbalidade sensual as deixavam expostas em suas bibliotecas. Afinal, Cacaso é uma instituição da poesia produzida no país.
Um dos clássicos do autor é “Beijo na Boca”, título lançado em 1975. Publicado pela editora Brasiliense dois anos antes de sua morte, o livro só ganhou nova edição no novo milênio, mais especificamente no ano de 2002, em uma obra aveludada num vermelho, com capricho e requinte. Tornou-se esgotada, constantemente cobiçada. Exemplares chegavam a sair por R$ 500, como vi num sebo no Rio de Janeiro.
Esgotar livros de poesia no Brasil, sendo o autor um artista considerado como “menor” por certos círculos literários, não é das tarefas mais fáceis: é um esforço louvável.
Passadas quase duas décadas, Cacaso retorna agora com “Poesia Completa”, obra editada pela Companhia das Letras e já disponível para venda nas melhores casas do ramo. O livro pincela os grandes versos do poeta, apaixonantes versos sobre a vida e a necessidade de amar. São uma torrente de amor, tórrido amor, de ficar em estado embriagado, tão bem embriagado que apenas uma dor de cotovelo é capaz de dar jeito.
Pois é, preciso transformar a dor em poesia.
Cacaso ia “fazendo versinho/ querendo carinho”, mas era um escritor compulsivo: vai no miúdo, na contramão das paixões, amores absolutos e outras grandiloquências. Jura que em sua boca sopra o vento, uma navalha corta em dois seu coração.
Em vida, antes mesmo de rodar versos com cheiro de álcool, Cacaso já era conhecido pelo frenesi literário ao participar do Grupo Escobar e pelo livro “Mar de Mineiro”. Ele andava com suas cópias clandestinas e, de certo modo, antecipou aquilo que os poetas fazem hoje na era da internet: a autopublicação. Cacaso era da multidão e mimeografava em alta velocidade, em pequenas tiragens, panfletos e depois ia para o boca a boca. Foi um dos primeiros a levar às universidades a poesia marginal.
Por todo lado, no Rio de Janeiro da época, havia jovens fazendo poesia e a divulgando sem estarem associados a uma grande editora. Talvez foram os primeiros a antecipar essa onda hype, do imediatismo de versos publicados nas redes, hoje comum na esfera da web, com blogues, perfis no Facebook, Twitter e Instagram. O sucesso chegou e, cedo ou tarde, passaram a integrar catálogos das grandes editoras, como Ana Cristina César, Waly Salomão, até Roberto Piva teve uma obra editada pela Editora Globo.
No caso de Cacaso, como definiu Francisco Alvim, era uma poesia da família de Manuel Bandeira, provida de uma linguagem sem artifícios e artimanhas. Sua marca reverbera até hoje, além da elegante simplicidade literária e a ironia fina.
Casado duas vezes, teve dois filhos. Quis o destino, porém, que ele morresse do coração, infartado, aos 43 anos, no Rio, logo o poeta que, contam os amigos, era a calmaria em pessoa. Seu legado, de uma cristalina prosa mineira e uma poesia límpida, vai permanecer enquanto houver jovens querendo subverter a lógica.
‘Poesia Completa’
Autor: Cacaso
Gênero: Poesia
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 71,82 (impresso)