Você puxa da prateleira o romance “Pergunte ao Pó”, escrito pelo norte-americano John Fante em 1939. Deixa-se levar pela prosa cortante de Fante, folheando as páginas marcadas pelo amarelo do tempo. Ele diz: “uma noite, eu estava sentado na cama do meu quarto de hotel, em Bunker Hill, bem no meio de Los Angeles. Era uma noite importante na minha vida, porque eu precisava tomar uma decisão quanto ao hotel”.
A cena que eu citei na abertura desta reportagem foi recorrente durante minha infância, no Paraná. Lembro que, ao fazer a carteirinha da biblioteca pública da cidade na qual nasci e cresci, um mundo se abriu para mim: era um mundo no qual as letras viravam o motor que estimulava a combustão dos sonhos. Junto com meus mestres Charles Baudelaire e Antonin Artaud, descobri que era possível suportar a vida.
Detalhe: li pela primeira vez “As Flores do Mal” (1851), de Baudelaire, e “Van Gogh, O Suicidado da Sociedade” (2004), de Artaud, na biblioteca pública. Sim, elas são um espaço que apresenta o prazer da leitura para milhares de jovens na adolescência.
Em Goiás, de acordo com diagnóstico realizado pelo Projeto Madalena Caramuru, o qual o Diário da Manhã teve acesso ontem e que será divulgado hoje em live, apenas 21,1% das bibliotecas inseridas na pesquisa – ao todo são 19, de Goiânia e cidades do interior, como Corumbá de Goiás, Pirenópolis e Ceres – são geridas por bibliotecários. O fator, alerta o estudo, limita a autonomia do gestor para a solução de problemas que são comuns ao dia a dia do equipamento cultural, como aquisição e descarte de acervo.
O projeto, idealizado pela NegaLilu Editora e Casa de Cultura Digital, com apoio do Fundo de Arte e Cultura de Goiás, foi pensado em duas etapas. A primeira se limitou a mapear a circulação da produção gráfica-literária e qualificação da cadeia produtiva do livro no estado, tendo como ponto de partida a feira e-cêntrica do ano passado. O evento, um dos mais importantes da literatura goiana, ocorreu uma semana antes de entrarmos em isolamento social para conter a disseminação do coronavírus.
Na segunda etapa, que é a mais importante para que tenhamos um retrato do acesso ao livro em Goiás, o foco se concentrou na capacitação de gestores para o fortalecimento da biblioteca pública. Os trabalhos aconteceram de forma virtual, com duração de 70 horas, distribuídas em seminários e encontros sistemáticos dos Grupos de Trabalho. O levantamento será apresentado no Seminário de Encerramento, com participação de representantes do Ministério do Turismo, Secretaria Estadual de Cultura e secretários municipais.
Foram investigados também temas recorrentes no meio, bem como aprimoramento, melhores práticas e traços de inovação cultural, estrutura física e tecnologia dos espaços. O estudo originou o “Relatório Final do Projeto Madalena Caramuru e As Demandas Urgentes de Bibliotecas de Goiás”, que vai ser encaminhado às autoridades nos âmbitos municipal, estadual e federal.
Segundo a editora e escritora Larissa Mundim, coordenadora do projeto, a capacitação teve como objetivo central despertar nos gestores o sentimento e a percepção de que a biblioteca pública é um equipamento cultural necessário para a sociedade. “Lidando com as dificuldades diárias de gestão, muitas vezes esta noção se perde e as ações para a leitura acabam fragilizadas, podendo até ser esquecidas pela Prefeitura”, afirma.
De longe, os dados que chamam mais atenção no estudo são que 63,2% dos entrevistados disseram que não possuem autonomia para implantação de serviços e 47,4% não dispõem de autonomia para o desenvolvimento de ações ligadas à cultura e à arte. Já 94,7% afirmaram não contaram com orçamento próprio. A solução sugerida pelo diagnóstico é que as estruturas de gestão nas bibliotecas públicas do estado precisam ser reformuladas.
Falta de espaço
Outro item preocupante é a falta de espaço adequado para leitura infantil, sabidamente um dos períodos mais propícios para a formação de leitores: o Projeto Madalena revela que 42% dos espaços são inadequados para receber o público infantil. É preocupante, pois a biblioteca pública é o equipamento cultural mais democrático para o acesso ao livro, sendo mais importante que museus, teatros, cinemas e galerias de arte.
Nesse sentido, o levantamento joga um balde de água fria, mostrando que apenas 31,6% das bibliotecas fazem alguma ação cultural sistemática, isto é, possuem algum tipo de programação cultural planejada. De acordo com o diagnóstico, mais de um terço delas, algo em torno de 36%, promovem ações de forma esporádica. Já 31,6% declararam que não realizam nenhum tipo de ação na cultura.
A fragilidade das bibliotecas públicas, aponta o estudo, se justifica porque o país não avançou nos marcos legais para a constituição e manutenção dos espaços. É preciso, prossegue o levantamento, que haja ações contínuas de estímulo à leitura e formação de leitores, como saraus, rodas de leitura e bate-papos com escritores, além de adaptar os espaços para seguir dialogando com a comunidade na pandemia.
Serviço
Projeto Madalena Cararumu – Seminário de Encerramento
26 de março (sexta), às 14h
Canais: Nega Lilu (Facebook e Youtube)
Programação
14h – Abertura │ Larissa Mundim, coordenadora geral
14h15 – Exibição do documentário da Etapa 1 do Projeto Madalena Caramuru: Feira e-cêntrica 2020
14h30 – Representante dos gestores das bibliotecas públicas participantes do programa de capacitação do Projeto Madalena Caramuru │ Helena Carvalho (Biblioteca Municipal Professor Josino Bretas de Caldas Novas)
15h – Apresentação do diagnóstico de bibliotecas públicas de Goiás
15h30 - Avaliação da equipe técnica do programa de capacitação │ Geisa Müller, coordenadora
16h – Representante do governo do Estado de Goiás │ Secult
16h15 – Representante do governo federal │ Diretoria do Livro e da Leitura │ Ministério do Turismo
16h50 – Ato de entrega do “Relatório Final do Projeto Madalena Caramuru e demandas urgentes de bibliotecas públicas de Goiás”. Considerações finais
17h10- Narração de história: Madalena Caramuru │ Cia ju cata-histórias
17h30 – Encerramento