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Simplesmente a melhor

“Tina” não conta a você apenas tudo o que queria saber sobre Tina Turner. Faz mais: gira o trinco da porta e oferece um convite para entrar na vida dela. Dizer que a estrela do soul teve uma vida fácil é uma resposta... Por décadas, foi um pesadelo, e cheio de agressões domésticas, estupros e um casamento violento com o músico Ike Turner. Prepare-se para o documentário dirigido por Daniel Lindsay e T.J. Martin.

O novo filme da HBO, após “Allen Contra Farrow”, estreia na HBO e HBO Max, às 20h, no próximo sábado (27) – nos serviços de streaming da empresa entrará no dia seguinte. O fio condutor da narrativa é guiado por um tom emotivo de despedida, e isso tem uma razão bem simples: é o adeus da rainha do soul da vida pública, aos 81 anos. Sua história é contada a partir de depoimentos de jornalistas, amigos, com imagens de arquivo intercalando as histórias levantadas no longa.

Adianto: depois de tudo o que ela passou, Tina é uma vitoriosa. Em um dos momentos do filme, a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey recorda-se do impacto que teve quando escutou pela primeira vez a voz potente da cantora sobre seus ouvidos. “A música negra daquela época vinha principalmente da Motown, com sua imagem de sofisticação, e de repente Tina jogava sua sexualidade na nossa cara”, disse ela, em tom emotivo. Esse era o efeito da arte de Tina Turner na alma das pessoas.

Claro, Ike – responsável por conceber uma das primeiras gravações de rock and roll – precisava muito mais dela do que ela dele, e talvez por isso o comportamento do sujeito era repugnante: homens têm dificuldade em tolerar mulheres livres ao seu lado. Grávida de outro músico, Tina se apaixonou por ele após gravar “A Fool In Love”. Pouco tempo depois, mudaram-se para Los Angeles, a fim de morarem numa casa que dividiram até 1976 com o filho que ela teve antes, Craig, e Ronnie, primeiro com Ike.

É preciso deixar sobre panos quentes que “Tina” percorre (não cronologicamente, óbvio) as gravações e os discos da cantora. O ‘basta’ veio quando ela e Ike estavam numa viagem a Dallas e, após apanhar pela última vez, abandonou o músico. Na manhã seguinte, retornou a Los Angeles. “Foi em 4 de junho de 1976, o dia da minha liberdade”, recorda-se. A separação foi punk: Tina não ficou com nada, renunciou a tudo da vida passada para trilhar novos caminhos. E conseguiu, com toda garra.

Em sua carreira solo, a estrada da cantora tinha como direção o céu. Com o novo empresário, Roger Davies, reinventou-se: saiu em turnê pela Europa, lançou um sucesso pop, "What 's Love Got To Do With It”, e gravou discos como “Private Dante” (1986). Nesta época, protagonizou “Mad Max - Além da Cúpula do Trovão” (1985) e, ao vir para o Rio de Janeiro, fez um show para 180 mil pessoas, que dera origem a um disco ao vivo. Uma das cenas mais curiosas do filme vem de um episódio dessa época.

Sucesso de público e vendas à época, Tina foi se apresentar na Alemanha e cantou um empresário da indústria fonográfica. “Quando você vier a Los Angeles quero fazer amor com você”, ela lembra, rindo. Pois é, Tina Tuner, sendo você uma mulher livre, por que não pedir algo assim? Os dois, até hoje, estão morando juntos, na Suíça.

Inspiradora

Tirando um episódio aqui e outro acolá, a história dela em si é barra pesada, mas igualmente inspiradora. O que a torna inspiradora é sua capacidade de sobreviver às mais loucas das intempéries. Quando era criança e vivia no Tennessee, sua mãe abandonou a família. O pai, pouco tempo depois, foi embora. Então ela teve que sobreviver: passou pelos episódios mais inimagináveis até conseguir se estabilizar.

De alguma forma, Tina passou a ter ambição. Ela se recorda quando viu uma foto da Champs-Elysées, em Paris, numa revista, e disse: “O mundo é para lá. É para lá que eu quero ir”. Ainda adolescente, conheceu IkeTuner, mas ele não era exatamente legal: batia nela com um cabide e depois se excitava e fazia sexo com ela. Era um doente. Tina estava com medo do sujeito, e viveu com esse sentimento durante anos.

Nesta época, chegou a ser uma influência para jovens cantores como Mick Jagger e Janis Joplin, porém vivia uma “mentira vergonhosa”. Por volta de 1968, quando o sucesso já lhe era conhecido, seus olhos denunciavam o que vivia, eram expressivos, gritavam por liberdade. O que não acontecia no início dos anos 1980. “Tina” mostra que duas fugas marcam a história de Tina Turner: a primeira do casamento com Ilke. A segunda foi a tentativa de se desvencilhar do próprio matrimônio, ou como ela mesma disse no filme, “a história ridiculamente embaraçosa da minha vida”.

“Tina” mostra que a cantora Tina Turner conseguiu compreender como funciona a tristeza, e por isso ela se tornou uma lenda: é a parte de sua história que os fãs gostam. Isso contribuiu para que ela fosse admirada. Dizem que foi por esse motivo que conseguiu provocar a empolgação mundial a partir da qual criou sucessos na década de 1980.

Mais perto do final, fica claro que Tina Tuner jamais se deixou levar pela ideia de mercantilização de sua condição de vítima. Segundo o filme, numa coletiva de imprensa para “O Que O Amor Tem A Ver Com Isso” (1993), ela disse que, até aquele momento, ainda não havia produzido uma obra audiovisual sobre sua vida.

Mas fica uma coisa pairando no ar: queremos ver a vida de Tina Tuner de novo, em outro documentário. “Tina”, que estreou no último Festival de Berlim, tem seus atributos, porém foi produzido por pessoas ligadas à cantora, como seu marido Erwin Bach. Assistam o filme com “I Dont Wanna Lose You” tocando no último volume. (Marcus Vinícius Beck)

BOX

‘Tina’

Diretores: Daniel Lindsay e T.J. Martin

Gênero: Documentário

Quando: sábado (27)

Onde: HBO e HBO Max

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