O Cine Ritz, localizado na Rua 8, no Centro de Goiânia, resistiu à avalanche hollywoodiana de assistir filmes enfurnados em shoppings centers. Após a bancarrota de salas como Casablanca, Frida, Presidente e Capri, símbolos da capital goianiense durante os anos 1980 e 1990, o Ritz virou único cinema de rua da cidade a exibir películas comerciais e caíra nas graças da população, como a casa que respeitava os rituais cinéfilos ou palco dos festivais Lanterna Mágica e Fronteira Film Festival.
Parado há 16 meses em decorrência das restrições impostas pela pandemia, o Ritz corre risco de ter sua existência aniquilada e grita por socorro a partir de uma campanha de arrecadação coletiva lançada na plataforma Vakinha. Até às 21h30 desta terça-feira (8), 133 pessoas apoiaram a iniciativa – a meta é R$ 70 mil e pouco mais de R$ 7 mil haviam sido angariados pela produtora Lume Filmes, proprietária do espaço.
“A gente acredita muito nesse espaço do cinema de rua, com preços mais acessíveis. E arrendou o Cine Ritz há dois anos, que existe desde 1990”, afirma ao Diário da Manhã o diretor do cinema, Frederico Machado. Nos primeiros meses, ele recorda-se, o público compareceu e, com o início da pandemia, foi o primeiro cinema de Goiânia a baixar as portas. “Justamente por conta do cuidado mesmo e isso se estendeu durante 16 meses, mas as contas continuam vindo: aluguel, impostos, IPTU e luz.”
Frederico revela que o espaço conta com um sistema de projeção que, desligado, corre risco de queimar. “Então a gente continua com os gastos de funcionários e aguardando esse retorno que não chega nunca”, lamenta. Ele compara o contexto goianiense com outras cidades do Brasil. “Mas aí (diz para o repórter), infelizmente, o governo ainda não autorizou o decreto de reabertura. Abriu bares, restaurantes, que são espaços muito mais perigosos, onde as pessoas têm muito mais contato direto com o outro.”
Desde que mudou o gestor, o Ritz se transformou e deixara um pouco de lado os blockbusters para dar lugar a produções autorais, seguindo o estilo de Frederico, que tem uma produtora cujo currículo conta com filmes ‘cabeças’ na capital maranhense, no Brasil todo e coproduções internacionais. A mudança na programação começou a ser implementada em abril de 2018, com a exibição de “O Último Tango”, longa dirigido pelos cineastas Pedro Diogenes, Luiz Pretti e Ricardo Pretti.
“Além de ter essa importância na fomentação do audiovisual na cidade de Goiânia, e em toda cidade onde tem esse tipo de cinema ainda, esses espaços permitem uma circulação no centro das grandes capitais do Brasil que não seja mutável apenas para consumo de álcool ou, agora, o que é pior, de igrejas”, analisa o jornalista Heitor Vilela, morador do Centro.
Ou seja, continua Heitor, essa é uma realidade que atinge cinemas de rua de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. “Tornaram-se igrejas, em geral igrejas neopentecostais. Então é muito triste quando você vê um espaço de arte, de cultura e de lazer se tornando um espaço de enganação, charlatanismo e trevas, que são essas igrejas”, declara Heitor.
Contraditório – ou nem tanto assim, se analisar pela letra fria da vida – é quando uma figura do calibre de Jece Valadão, com atuação em mais de 100 que marcaram época no cinema brasileiro, defende (cena extraída do DVD “Cidade dos Festivais” está disponível no Youtube) a demolição de cinemas para dar lugar a templos da Igreja Universal do Reino de Deus.
“Na realidade, a magia do cinema é muito mais ampla do que simplesmente ver um filme. E esse fato, de ter um cinema diretamente na rua, sem estar vinculado a um shopping, um ambiente totalmente controlado, é muito mais direto para o público de um cinema de rua”, avalia Frederico Machado. “A gente acredita no caráter historiográfico do cinema em locais públicos, de locais artísticos, é uma caracterização da cidade, da memória, da história”, atesta o diretor.
Quem viveu a cidade, com pouca grana e muita vontade de explorar os espaços de convivência, não pensa duas vezes antes de garantir que os cinemas de rua fazem parte de suas vidas. É o caso de Heitor: “Por ser um cinema na rua, tinha ali (no Cine Ritz) os mesmos filmes que estavam no Flamboyant ou no Goiânia Shopping, e a galera mais quebrada costumava ir ao Ritz pelo valor dos ingressos. Então eu lembro de assistir “O Senhor dos Anéis” e o filme acabar às três horas da manhã.”
E como será no cenário pós-pandemia? “Tem a possibilidade de voltar forte, como o Cine Ritz sempre foi”, garante Frederico. Ainda bem: a população, a memória, a história e a cultura agradecem.
Para doar: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/salve-o-cine-ritz