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José J. Veiga tem histórias curtas reunidas em antologia da Companhia das Letras

José J. Veiga esquivava-se quando incluído entre os escritores fantásticos. Sempre que lhe colocavam ao lado de Gabriel García Márquez ou Júlio Cortázar, saía-se com “a minha literatura é uma literatura realista: nem fantástica, nem mágica”. “Uma realidade bem brasileira, usando o nosso coloquial localista, como se estivesse escrevendo literatura regional”, diz o crítico Antonio Arnoni Prado, citando outro ensaísta, no prefácio do romance “A Hora dos Ruminantes”.

Ao longo de sua obra, cujos contos agora foram compilados pela Companhia das Letras em “Contos Reunidos” e já em pré-venda, dedicou-se a mostrar um cotidiano regionalista, das pessoas do interior, num tom coloquial, direto e lúdico: a vida, como no início do conto “A Ilha dos Gatos Pingados”, um dos parágrafos mais bem escritos do século 20, cismava em acontecer nos compromissos longe dos grandes centros e onde as conversas se desenrolam em meio aos bate-papos nos armazéns.

Nascido em Corumbá de Goiás em 1915, Veiga foi celebrado pela crítica, por causa de sua narrativa bem-humorada e texto refinado, desde que despontara no cenário literário brasileiro no final dos anos 1950, com “Os Cavalinhos de Platiplanto” (1959). Ainda hoje, a obra espanta por fundir regionalismo com um realismo singular que, primo de segundo grau da literatura fantástica, ia além das convenções do gênero.

Com as roupas dessa estética no verbo, as histórias rejeitavam as técnicas largamente utilizadas e recursos narrativos explorados pela prosa do mistério clássico, ao mesmo tempo em que se desvinculava do boom dos latino-americanos. Embora contemporâneos, o malabarista das palavras – assim como García Márquez, também preocupado em contar histórias em vez de teorizá-las – se distanciava do colombiano num ponto: o de botar no centro da trama a ser narrada a alma do brasileiro.

O que, diga-se, alçou-lhe entre os imortais da literatura goiana. E, sem exagero ou bairrismo, da brasileira mesmo – o talento dele foi desfilado por anos, em crônicas indispensáveis em coletâneas do gênero, neste Diário da Manhã. Antes, porém, vivera a cena cultural de Londres, quando trabalhou na rádio BBC. Depois, já de volta ao Rio de Janeiro, tornou-se presença frequente nas páginas de jornais como O Globo, A Tribuna da Imprensa e revista Seleções, da qual fora editor-chefe.

O ponto de partida para tanto começou no final dos anos 1940, na esteira da renovação provocada pela ruptura modernista com as ideias caducas pré-1922, ao selar o pacto realista e adicionar o lirismo à fantasia. Com Veiga, nessa empreitada estavam os escritores Aníbal Machado, Rosário Fusco e Murilo Rubião: os três equilibravam-se sob os preceitos fantásticos e surrealistas. E foram pioneiros no realismo mágico por aqui.

Veiga virou de ponta cabeça a imaginação, desarticulando a estrutura da narrativa e da técnica de suspensão da expectativa realista. Naquele tempo, predominavam os romances sociais, como “Vidas Secas” (1938), de Graciliano Ramos, e “Fogo Morto” (1943), escrito por José Lins do Rego. São herdeiros de 30. No entanto, o escritor goiano juntou esses elementos e integrou-os a outro movimento da prosa moderna, criando uma efervescência que tem no amigo João Guimarães Rosa o grande expoente.

É uma escrita que, coloquial, simples, direta e sem firulas, propõe um rearranjo ao sertanejo, carros de boi, gente do campo, com elementos “esquisitos” a partir do qual alimentava o painel circunstancial, num clima de excepcionalidade que não raro integra-se a um conjunto marcado por efeitos cômicos. Trata-se da beleza de “A Hora dos Ruminantes”, seu romance lançado nos anos 1960.

Lúdica

Assim como é a beleza por trás de “A Estranha Máquina Extraviada” (1967), “Sombras de Reis Barbudos” (1972), “Os Pecados da Tribo” (1976), “De Jogos e Festas” (1980), “O Professor Burrim e As Quatro Calamidades” (1980), “Torvelinho Dia e Noite” (1985), além do infantil “Tajá e sua Gente” (1986). Nas páginas de José J. Veiga, política, crítica social e opressão se misturam com um jeito de narrar que, não por acaso, colocam-lhe como o precursor de um estilo ainda hoje inimitável.

A essa altura, início dos anos 1960, Veiga já tinha escrito “Os Cavalinhos de Platiplanto”. Beleza e absurdo, além da inocência e brutalidade, porém sempre sem perder o lirismo da fantasia, já tinham se tornado marcas do estilo do escritor: ele havia conquistado, com todos os méritos que lhe eram de direito, um espaço entre os maiores prosadores da literatura brasileira de 1930 para cá. Trajetória essa, claro, imprimida pelas tintas da Galáxia de Gutenberg, entre 1941 e 1989.

Dispersos em jornais, revistas e coletâneas, seus textos curtos ganham novo fôlego com “Contos Reunidos”, obra anunciada pela Companhia das Letras. Há muito o prosador merecia ter seus textos reunidos num livro cujo preceito é mostrar por que Veiga é um dos maiores escritores da literatura brasileira. Não é à toa que faturou o Prêmio Fábio Prado já com seu primeiro livro, o “Os Cavalinhos de Platiplanto”.

Além de, em 1997, o estilo refinado, bem-humorado e requintado ter lhe valido o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Paralelo à ficção, fluente em inglês e francês, traduziu o romancista Ernest Hemingway, a personificação do escritor por excelência no século 20.

Falecido no Rio de Janeiro em 1999, aos 84 anos, Veiga ousou fazer críticas sociais e tocar em feridas da sociedade brasileira quando o país vivia sob a batuta de um regime civil-militar que era conhecido por... não aceitar críticas! José J. Veiga, por essas e muitas mais, nunca é demais.

‘Contos Reunidos’

Autor: Jorge J. Veiga

Gênero: Conto

Editora: Companhia das Letras

Preço: R$ 79,90 (pré-venda no site da editora)

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