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Bicicleta sem Freio enfeita Goiânia com psicodelia inspirada na art pop

Um mural colorido, como se fosse um jazz gráfico movido pelo improviso estético do pincel na folha em branco da galeria a céu aberta chamada rua, num tom psicodélico, art pop e roqueiro, embeleza a Rua 72 na esquina com a Avenida H, no Jardim Goiás. A obra, que possui pelo menos 140 metros quadrados, está aberta para o público conferir o trabalho de perto desde a terça-feira, 5. 

Com cabelos azulados, roupa bordô e olhar penetrante, além de flores típicas do Cerrado, um pé de jabuticaba que lhe envolve a cabeça e um pássaro ao lado, a gigante mulher desenhada pelos premiados artistas visuais goianos Douglas de Castro e Renato Reno imprime a goianidade na pele da cidade, tornando-se visível a quem flana pelas ruas da metrópole: é nela que encontramos a expressão urbana, assim como é no mesmo lugar que ouvimos a comunicação se estabelecer entre nós e onde habitamos.

Guardadas às devidas proporções, é possível encontrar nos traços de Renato e Douglas um rabisco influenciado pela lisergia porra-louca de mestres do underground como Robert Crumb (autor dos celebrados “Vida Minha”, “Genesis” e “Meu Problema Com as Mulheres”, traduzidos no Brasil por Daniel Galera) e Charles Burns. Quase sempre tem na obra dos goianos as sinuosas mulheres, a partir de cores gritantes, bem como a sujeira que fez de Crumb símbolo da contracultura e autor da capa de “Cheap Trills”.

Um parêntese: o disco clássico da cantora Janis Joplin foi lançado em 1968, época em que os ideias contra o status quo estavam fervilhando no jornalismo, na música, no cinema, na literatura e, claro, nas artes visuais, onde surgiam nomes como Ralph Steadman e o próprio Crumb nos HQ´s que problematizavam, em uma estética feia, psicodélica e bizarra, os horrores da Guerra do Vietnã. Já Burnes, da geração seguinte, tem no traço um realismo que talvez soe até mais bonito que o de Crumb.

No caso do coletivo goiano Bicicleta Sem Freio, as ilustrações para a extinta boate goianiense El Club viraram um dos pulsões do trabalho desenvolvido pelo duo, o que serviu de trampolim à idealização de cartazes e flyers para divulgar a cena alternativa goiana, em eventos como os tradicionais Goiânia Noise e Bananada. Tempos depois, em 2015, Renato e Douglas estiveram no meio de uma polêmica ao criar um mural na parte externa da biblioteca do Centro Cultural Oscar Niemayer. 

Foi um bafafá tremendo: de um lado, por exemplo, teve quem acusasse o grupo Bicicleta Sem Freios de ter adulterado a textura branca escolhida por Niemayer para colorir a edificação e, com isso, promovido uma espécie de desmantelamento da originalidade de um espaço importante para a cultura. Apesar das queixas, houve ainda aqueles que pediram para que a obra lá ficasse. O prédio, no final das contas, acabou repintado de... branco!

A música, digamos assim, sempre alimentou as ideias do grupo, e as artes roqueiras que eles mandaram ver com competência, repleta de hedonismo, muito fetiche e belas mulheres, mexeu com empresas gigantes, como Sony, Nike e Converse. Na primeira delas, feita para uma discotecagem no shopping Buena Vista, é possível encontrar um elefante e, no chão, embaixo do animal, uma mulher, punk e libertária, calçando All-Star Chuck Taylor, celebrando a embriaguez e o rock ´n´ roll.

Arte idealizada para a extinta boate goianiense El Club - Foto: Divulgação

Transgressores, lisérgicos, representativos e afrontosos, os três goianos se conheceram ainda quando estudavam na Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2003. Três anos depois, reunidos num congresso estudantil, resolveram criar o grupo com o objetivo de fazer um “estúdio de criação focado em animação de ilustração”, conforme disse Renato Reno numa entrevista para o jornalista Thiago Lins, na Revista Continente, publicada em 2011.

É perceptível no trampo desenvolvido pela galera do Bicicleta Sem Freios que a identidade deles só se materializa depois de um bom bate-papo, rabiscos e talvez uma mesa de luz, num improviso que corrobora com a tese proposta por mim no início desta matéria e Thiago Lins na Revista Continente: é jazz. Rabiscos lisergicamente improvisados. Ou rock. Ou psicodelia. Ou... enfim... Ou qualquer outra coisa que deixaria, não tenho dúvidas, Roberto Crumb e Ralph Steadman felizes.

Seguindo os passos de Crumb, os goianos chegaram a ilustrar capas de nomes importantes da cena roqueira independente nacional, como AMP e Macaco Bong. Sempre, obviamente, com estridência e grito, como se fosse uma onda de ácido com a qual as cores se tornam mais vivas e mais intensas. É quase um tipo de pecado carnal, sem-vergonhice, excessos, meu Deus do céu!, como mandam as premissas do rock.

Teve até, para comprovar que o Bicicleta com Medo tem o DNA calcado no underground, sadomasoquismo, pupilas dilatadas, art pop, quadrinhos...

Em algum momento andando pelo Centro da cidade de Goiânia, você já deve ter visto as intervenções artísticas que transformaram o visual da região em dezembro do ano passado. São dois murais de grafite, divididos por alguns metros, em duas edificações conhecidas na capital: Dona Chafia e Edifício Alencastro Veiga. Assim como as outras obras do grupo, nelas também existem as cores impactantes, porém elas retratam o contador de histórias Geraldinho. Ele tem aproximadamente 20 metros de altura.

E desse jeito é ao redor do mundo, com murais expostos nas ruas de metrópoles como Londres, Berlim, Las Vegas, Los Angeles, Hololulu, Jerusalém, Cidade Real, Crans e Fortaleza. É, não é brincadeira, não: esses goianos são bão demais da conta!

Mural de Bicicleta Sem Freios em Cidade Real, na Espanha - Foto: Divulgação

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