Bnegão, 48, enxugou gelo, sintonizou lá e transmutou. Desde 1998, com a prisão do Planet Hemp em Brasília durante a turnê do disco "Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára" (1997), ele começou a discotecar. Primeiro, foi chamado por uma produtora do Rio de Janeiro para se apresentar na Lapa. Depois, numa festa chamada Zoeira, que com o tempo se tornou lendária na noite carioca, engrenou: viagens começaram a rolar, de leve, antes de o nome BNegão Bota Som surgir na pista.
“Eu tocava e ficava na cidade discotecando. Em pouquinho tempo viajava para discotecar também. Rolou uma dessas assim pelo mundo”, recorda-se o artista, que vai botar o som nesta quinta-feira, 21, a partir das 20h30, no Lowbrow, em Goiânia. O termo “Bota Som” surgiu quando o músico e ativista Marcelo Yuka definiu musicólatras que não são DJs, mas curtem agitar a galera – mais ou menos o que vem fazendo a partir dos anos 90 o autor de “Enxugando Gelo” ao lotar casas de norte a sul com uma discotecagem libertária e sacolejante, como se fosse terapia aos ouvidos.
Em Barcelona, num dos momentos mais marcantes desde que solta o som na pista, Bnegão nem chegou a tocar com banda, apenas discotecou, lotadaço, responsa. “Noventa por cento é produção nacional, do que tem rolado e eu acabo fazendo as vezes das rádios, porque elas não tocam músicas novas que estão sendo produzidas agora”, antecipa o músico, destacando que a discotecagem tem uma função de informar. “Tem muita coisa que a gente conhece ali. Fico feliz pra caramba. Além de tocar, eu também falo o nome das bandas para as pessoas saberem.”
Para a apresentação na capital goianiense, o artista afirma que tocará um repertório quase todo composto por uma “música novíssima, que está acontecendo agora, que foi lançada recentemente, dentro de uma coisa dançante”. Normalmente, ele explica, o set list não tem tantos clássicos da música brasileira: de vez em quando, até pode catar um ou outro, aqui e ali, porém de grosso modo é o que está sendo produzido agora, agora, agora... “Eu não entendo porque a gente está mais ligado aos lançamentos dos Estados Unidos, quer dizer, até entendo: é um tipo de colonização.”
É, caro BNegão, de fato é... Se na carreira solo criou um funk que persiste entre preguiça e descrença, um som convidativo para mexer os quadris na pista ou para enxugar gelo na sua realidade segura por um fiapo de cabelo, a preocupação em trazer novos timbres para o público continua sendo o mote de Bernardo Santos. Sim, porque a raiz africana é fundamental para a música brasileira. E, bem, a caribenha e latino-americana – estilos que fazem parte do eixo musical de BNegão – dispensa apresentações. É só botar bons fones de ouvido para sacar “(Funk) Até o Caroço”, por exemplo.
“Eu faço questão por isso, porque eu acho uma produção maravilhosa, a brasileira, e tem essa coisa da ancestralidade dentro da modernidade, que eu acho legal. Tem os tambores com som eletrônico, isso tá muito dentro do meu espectro. Curto tocar e ouvir”, conta. Na play list disponível no Spotify, a qual possui cerca de dez horas de música e ele pretende atualizar até sexta-feira, 22, é um bom exemplo disso, com canções de qualidade, dele próprio e nomes como Elza Soares, Mundo Livro S/A e Baiana System. “As músicas do momento são muito boas, mas têm que procurar.”
BNegão acredita que muita gente fica preso no discurso pronto de que não tem mais música sendo feita no Brasil, de que ela está ruim, que não sei o quê... “Bastante coisa que tem ali (na play list) eu toco também na discotecagem. A play list é mais de escutar. Discotecagem tem que ser uma coisa que bata e faça o corpo sentir. O que a galera pode esperar para hoje, em sua esmagadora maioria, são músicas brasileiras moderníssimas, que estão acontecendo agora. Uma das coisas que mais me deixa feliz é que a pessoa saia de um rolê desse sabendo mais do que quando entrou.”
Em 2019, gravou com Elza Soares e BaianaSystem, a quem chama de “irmãos”. “Conheço os caras desde a banda acontecer. Então, é uma coisa maravilhosa da vida. Pra mim é a melhor banda do Brasil”, afirma. Elza, prossegue, é uma deusa: “sou apaixonado por ela há muito tempo. Poder fazer esse som juntos foi uma felicidade. Ela está muito à frente. É impressionante. Então, porra, fico emocionado”, relata, ressaltando que atualmente a pulsão de vida é uma energia revolucionária.
Sobre o método de perseguição aos artistas, o músico diz que se trata de uma “coisa bem maluca, quer dizer, nem tão maluca, mas bem orquestrada, por grupos de WhatSapp”. “É uma onda que é a dos caras: eles pegaram modelo lá fora de extrema-direita e vão fazendo igual os caras da matriz. Esses caras são os patriotas americanos. Por baixo do verde e amarelo, o cara tem a bandeira dos Estados Unidos ali, com o coração gigante, eles queriam estar lá: não tem nada a ver com o Brasil”, analisa.
Definitivamente, BNegão se consolidou como um dos artistas mais interessantes do Brasil, dono de voz consciente e que não teme o confronto com a caduquice reacionária. Fruto do undergound carioca dos anos 1990, desde então seu som, suas ieias e seu trabalho para valorizar a cultura brasileira se tornaram importantes num país que vilipendia os artistas. É só assistir a live na qual ele canta Dorival Caymmi no Sesc São Paulo – sim, ela é bela, comovente e intensa, uma ode ao mestre dos mestres.
BNegão sempre precisa ser ouvido. Afinal, corpo e humor à prova de contas, com uma dose generosa de honestidade fazendo o diferencial, não faz mal a ninguém. Vamos subsidiar a vida para cultivar poetas?
Lowbrow 5 anos com BNegão Bota Som e DJ Cecilioui
Data: hoje
Horário do show: 20h30
Valor: R$ 140 (mesa para 4 pessoas)
Local: Lowbrow Lab Arte & Boteco
Endereço: Rua 115, quadra F43A, lote 214, nº 1684, Setor Sul