Hillel Italie, AP*
Para grande parte do mundo, Toni Morrison (1931-2019) foi uma romancista famosa por clássicos como “Amada”, “Voltar Para Casa” e “O Olho Mais Azul”, todos publicados no Brasil pela Companhia das Letras. Mas a laureada com o Nobel de literatura (1993) não se limitou a um tipo de escrita.
Morrison também escreveu peças, poemas, ensaios e contos, um dos quais será lançado como livro em 1º de fevereiro. Recitatif, escrito por Morrison no início dos anos 1980 e raramente visto nas décadas seguintes, acompanha a vida de duas mulheres desde a infância até suas fortunas contrastantes quando adultas. Zadie Smith contribui com uma introdução e a edição em áudio da história é lida pelo ator Bahni Turpin.
Segundo Autumn M. Womack, professora de Estudos Ingleses e Afro-Americanos da Princeton University (onde Morrison lecionou por anos), a autora escreveu contos de ficção pelo menos desde seus anos de faculdade na Howard University e na Cornell University, embora nunca tenha publicado uma coleção de histórias. Recitatif foi incluído no lançamento de 1983, “Confirmação: Uma Antologia de Mulheres Afro-Americanas”, coeditado pelo poeta e dramaturgo Amiri Baraka e agora esgotado.
Recitatif refere-se a uma expressão musical definida por dicionário Merriam-Webster como "um estilo vocal ritmicamente livre que imita as inflexões naturais da fala", um estilo que Morrison frequentemente sugeriu. A história fala de uma série de encontros entre Roberta e Twyla, uma das quais é negra, a outra é branca, embora nos resta adivinhar qual é qual.
Jimi Hendrix
Elas se conheceram ainda meninas no abrigo infantil São Boaventura (“youtra coisa era ficar presa em um lugar estranho com uma garota de outra raça”, lembra Twyla, a narradora da história). E elas se encontram de vez em quando, anos depois, seja em Howard Johnson, no interior do estado de Nova York, onde Twyla estava trabalhando e Roberta chega com um homem com hora marcada para se encontrar com Jimi Hendrix, ou mais tarde em um Empório de Alimentos.
“Uma vez, há doze anos, passamos como estranhas", diz Twyla. “yUma garota negra e uma garota branca se encontrando em um Howard Johnson na estrada e não tendo nada a dizer. Uma com um chapéu de garçonete triangular azul e branco - a outra com o companheiro que vai ver Hendrix. Agora, estávamos nos comportando como irmãs separadas por muito tempo.”
Raça
Como observa Womack, Recitatif inclui temas encontrados em outras obras de Morrison, seja a relação complicada entre duas mulheres que também estava no cerne de seu romance Sula ou a confusão racial que Morrison usou em Paraíso, um romance de 1998 no qual Morrison se refere a um personagem branco dentro de uma comunidade negra sem deixar claro quem é. Morrison frequentemente falava da raça como uma invenção da sociedade, uma vez que escreveu que "o reino da diferença racial recebeu um peso intelectual que não pode reivindicar".
Em sua introdução, Zadie Smith compara Recitatif a um quebra-cabeça ou a um jogo, enquanto avisa que “Toni Morrison não joga”. O mistério começa com as linhas de abertura, "Minha mãe dançou a noite toda e Roberta estava doente. Bem, agora, que tipo de mãe tende a dançar a noite toda?", Smith pergunta. "Preta ou branca?" Ao longo da história, Morrison se referirá a tudo, desde o comprimento do cabelo até o status social, como se para desafiar as próprias suposições raciais do leitor.
"Como a maioria dos leitores de Recitatif, achei impossível não sentir uma necessidade de saber quem era a outra, Twyla ou Roberta", reconhece Smith. "Oh, eu queria urgentemente consertar isso. Queria simpatizar afetuosamente com as personagens em um lugar seguro. "Mas isso é justamente o que Morrison deliberada e metodicamente não me permite fazer. Vale a pena nos perguntar por quê." (Agência Estado)