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'Eduardo e Mônica' preserva ternura de hit da banda Legião Urbana

Quem irá dizer que não existe razão para as coisas do coração? Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar. Ficou deitado. Mônica tomava um conhaque no outro canto da cidade. Ela gostava do Bandeira. De Van Gogh e dos Mutantes. De Caetano e de Rimbaud. Eduardo estava no esquema escola, cinema, clube, televisão. Mesmo com tudo diferente, veio uma vontade de se ver, que crescia, como tinha de ser: trocaram telefone. Ele sugeriu uma lanchonete, Mônica queria assistir a um filme do Godard.

Após embalar gerações de corações apaixonados, com o indefectível violão de aço ao fundo, a música “Eduardo e Mônica”, composta por Renato Russo e lançada no segundo disco da Legião Urbana, “Dois” (1986), chega à tela grande na próxima quinta-feira, 20, pelas lentes do cineasta René Sampaio. Assim como a letra, o filme narra a improvável história de Eduardo – um adolescente careta e certinho, ainda nas aulinhas de inglês, interpretado por Gabriel Leone – e Mônica – mulher moderna e estudante de medicina, que já falava alemão, personagem vivida por Alice Braga.

A letra já desenhava no imaginário dos fãs um cenário cinematográfico, com as aulas de natação, fotografia, teatro e artesanato que Eduardo e Mônica fizeram. É um clima folk. Um pouco a vibe de Bob Dylan nos anos 60 em “Girl From The North Country”, faixa gravada em dueto com o cantor Johnny Cash no disco “Nashville Skyline” (1969). Renato gostava de Dylan. As duas músicas embutem ternura. Eduardo muda quando a conhece: deixa o cabelo crescer, começa a beber, arranja um trampo. Quando ela pega o canudo, ele passa no vestibular. Comemoram juntos, mas brigam juntos.

“Eduardo gostava de novela e jogava futebol de botão com seu avô. É uma das características que Renato colocou no personagem e a gente trouxe como recurso narrativo”, disse Leone, em coletiva, acrescentando que os folhetins inspiram o personagem a tomar uma atitude e a fazer uma prova de amor para conquistar Mônica. “Eu, por exemplo, sou noveleiro desde pequeno. Sempre gostei. Acho que é uma coisa cultural do brasileiro, de homem ou mulher. E não tenho informação se o Renato gostava ou não. Acredito que sim. A gente fala que Eduardo e Mônica tem muito dele.”

Seria “Eduardo e Mônica” uma possibilidade de um casal de amigos ter inspirado o compositor? Talvez. Renato dá pista, perfilando-os. Mas a verdade é que tudo é delicado na música. Por óbvio, René escolheu ir pelo mesmo caminho no filme, o segundo de uma trilogia baseada em canções da Legião, com cenas em que os dois conversam, compartilham o mundo, descobrem suas indiferenças que, em vez de separá-los, une-os mais, ao ponto de construírem uma casa, tornarem-se pais de gêmeos e segurarem a barra no momento mais complicado em termos de grana.

Eduardo é um adolescente careta e Mônica uma mulher moderna que estuda medicina

Segundo Braga, o cineasta a tirou de uma zona de conforto e ela gostou, pois vinha de projetos em que lhe requeriam uma maior carga dramática para a criação dos personagens. René queria ver ela, Alice, em cena. Suas risadas, risadas altas, solares. “Ele queria isso pra Mônica, então foi um processo interessante de achar dentro um lado meu e as diferenças que eu tenho em relação à personagem, daquele momento, vivendo naquela Brasília de 86, o que era isso?, de uma garota que quer viver o mundo, diferente de mim, que viajo bastante: foi um processo muito delicioso ser Mônica, saber quem é essa mulher”, afirmou a atriz, também em entrevista coletiva.

O processo criativo foi longo, durou sete anos. Nesse tempo, René trabalhou com Matheus Souza, Bianca De Felippes e Gabriel. Desde o início, sabiam a história que queriam contar, como organizá-la, de que ponto partir: o diretor, então, achou que Domingos de Oliveira tinha a pegada necessária para o filme ser transformado numa história cinematográfica, mas infelizmente o projeto viraria uma obra que apenas Domingos daria conta de dirigir, imprimindo nela sua identidade artística.

Tendo a música como aliada para dar esqueletar o texto, Matheus – que o finalizou junto com Claudia Souto, Jessica Candal e Michelle Franz – utiliza-se como premissa para estruturar a narrativa as informações fornecidas na música do disco “Dois” por Renato. “Um dos trabalhos de diretor é também dirigir o roteiro. Então, claro, tem muito meu, da Bianca, dos outros colaboradores. Todo mundo mexeu muito nesse roteiro”, relatou René. De acordo com ele quem estruturou a história, com começo, meio e fim, ajudando encontrar a proposta narrativa, foi Mateus Souza.

“Acho injusto colocar meu nome num roteiro em que eu não sentei a bunda para escrever”, reconhece. Não por acaso, o resultado fílmico revela um criação coletiva, como deve ser o cinema, sem a superficialidade dos tempos atuais, o que não tem sentido em se tratando de Eduardo e Mônica. Quando entram em cena personagens como o avô de Eduardo, um militar vivido por Otávio Augusto, e a mãe de Mônica, a médica Lara, interpretada por Juliana Carneiro da Cunha, as questões políticas reverberam – para as quais são difíceis virar o torcer o rosto no Brasil dos últimos anos.

Do começo ao fim da carreira, sem nunca ter deixou o pós-punk da bandas britânicas de The Smiths e The Clash jogado para escanteio, Renato esteve antenado ao que acontecia no país. Não à toa, o compositor versou frases nas quais - embora surrupiadas por extremistas em manifestações que pediam o fechamento do STF e a volta dos militares, a exemplo de “Que País É Esse”, do disco de mesmo nome, lançado em 1987 – convidou o público para “celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nossa, o meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões”.

“Perfeição”, do álbum “Descobrimento do Brasil” (1993), provoca a reflexões sobre “todo roubo e toda indiferença”. Alice Braga, a Mônica, ficou impactada assim que escutou a canção pela primeira vez. Já Gabriel Leone, que vive Eduardo, crê que não há, entre as bandas brasileiras, apesar de Barão Vermelho e Titãs fazem parte do mesmo time da Legião, nenhuma que desferiu uma porrada como Renato e companhia já no primeiro disco, que conta com “Por Enquanto” e “Geração Coca-Cola”.

“Só isso já é um absurdo. Mas o primeiro disco tem ainda “Soldados”. Já dá a cara da banda de cara. Diferente das outras, que têm ótimos discos de estreia, mas foram amadurecendo, principalmente em matéria de letras”, analisou Leone, ainda em coletiva. “Acho que o Renato já chega mostrando tudo. Legião é minha banda de rock favorita.” O melhor é que René Sampaio respeitou a beleza de “Eduardo e Mônica”. Apesar dos atrasos gerados pela pandemia, o filme chegará aos cinemas. Quem irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração? Que irá me dizer?

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