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'Amor faz parte dos temas que gosto de abordar', afirma Alceu Valença

Entre seu primeiro blues escrito para La Belle de Jour e o azul que viajava, Alceu Valença, 75, dedilha as cordas do violão como se estivesse lembrando daquela moça na praia de Boa Viagem. Nossa imaginação, a do repórter e – presume-se – a dele, se volta para os olhos, ao sabor de Catherine Deneuve, dessa tal mulher na tarde de domingo. “Oh oh, Belle de Jour”, canta o músico pernambucano, na abertura do disco “Sem Pensar no Amanhã”, um dos quatro gravados em voz e violão que Alceu lançou durante a pandemia – os outros são “Saudade” e “Senhora Estrada”, que saíram no ano passado.

Em “Alceu Valença e Paulo Renato”, que saiu do forno neste mês e já está disponível nas plataformas de streaming, Alceu acaricia na forma de acordes o violão que acompanha sua voz e dialoga, como há 40 anos já se habituou a fazer, com a guitarra de seu parceiro Paulinho, falecido integrante da banda que lhe acompanha e também instrumentista do Ave Sangria. Os discos refletem um período de recolhimento, em que o pernambucano tocou como nunca em casa, enquanto o mundo temia que a morte batesse à porta: são releituras de sucessos e canções revisitadas.

“Criei uma espécie de roteiro de viagem a partir destas mesmas canções. Amor faz parte dos temas que gosto de abordar nas minhas músicas. E quem sabe, se tivéssemos mais amor, estaríamos saindo melhor de tudo isso, não? No meu caso, continuo a favor de uma nação solidária. Sem preconceitos, tomara”, afirma Alceu, em entrevista ao DM. Pois bem, prepare-se, porque Alceu, entre tropicalismo e o sertão, apresenta para o público goianiense, no Oscar Niemayer (Jamel Cecílio, saída para Senador Canedo), nesta quinta-feira, 28, as novenas emboladas pela guitarra elétrica.

Da folia ao pop, do sertão ao litoral, como o cheiro do sexo que fica nos lençóis após a transa, o set-list deve incluir ainda frevos que saíram das ruas de Pernambuco para todo o Brasil e conquistaram São Paulo e Rio de Janeiro nos carnavais, botequins, em meio a porres, e nos flertes, como na bruma das leves paixões que vêm de dentro. Sem exagero, o público pode esperar uma miscelânea de forrós, baiões, xotes, toadas e emboladas: Alceu Valença subirá ao palco junto de Leo Lira (guitarra), Tovinho (teclados), André Julião (sanfona), Nando Barreto (baixo), Cássio Cunha (bateria).

“É sempre uma alegria voltar a cantar em Goiânia, cidade em que me apresento desde a década de 70. Tenho até uma música em que cito Goiânia, chamada “No Tempo em Que me Querias”. Agora trago meu show de sucessos, acompanhado pela minha banda: vou cantar “Anunciação”, “Tropicana”, “Belle de Jour”, “Girassol”, “Coração Bobo”, “Taxi Lunar”. Tem forró e baião, como Pagode Russo de Luiz Gonzaga. Quero ver todo mundo lá, devidamente vacinado, para cantar junto comigo”, convoca.

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Músico pernambucano se desnudou para o público nos festivais na década de 1970 - Foto: Leo Aversa/ Divulgação

Nascido em São Bento do Uma (PE), Alceu Valença estreou com um LP lançado em 1972 em que dividia as letras e o microfone com o amigo Geraldo Azevedo. Aos poucos, o músico conquistou segurança e, de brinde, ganhou seu próprio espaço, com uma música regional e sintonizada na mesma sinfonia da vibração jovem, reinventando a pulsação valvulada do rock. Mas Alceu nunca se cansou de dizer, em entrevistas, que sua música não tem nada a ver com o tropicalismo e nem com a MPB feita nos anos 1970: era um pifes elétrica, um rock não rock, por assim dizer.

Alceu Valença se desnudou, de fato, nos festivais febres durante a década de 1970 e, dali em diante, como um para-raio ao luar, jamais deixou de lado sua essência – seja ela sertaneja, engraçada, dona de palco e dos corações que guardam na ponta da língua seus versões. Alceu é o poeta da madrugada, o diretor de cinema, o cara de jornal, o advogado, o regente de carnaval, o conhecedor de anjos e signos, o sujeito que consegue entender a beleza das mulheres, que saca o prazer em sentir o queiro do sexo no lençol. Sim, foi entre toados, xotes e baiões que criou-se um poeta popular.

"Nunca foi influenciado por modismos ou segui a cartilha ditada pela indústria. Hoje é mais difícil para um jovem artista emplacar um sucesso, em compensação a possibilidade de interação com seu público é crescente”

Autor de discos fundamentais na música brasileira, já no primeiro, Alceu conseguiu uma façanha: “Molhado de Suor”, lançado em 1974, foi o trabalho que apresentou o artista para o mercado fonográfico – e, como em quase todos os seus discos nos anos 70, passou longe de ser um sucesso de público. Na obra “Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil”, o jornalista Bento Araújo não poupa elogios ao dizer que, em menos de meia hora, o LP apresentou o “trovador psicodélico” ao Brasil. O mesmo fez com “Vivo”, gravado no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana.

Ironia do destino, Alceu não é de ouvir música. Seu pai, promotor público, tinha medo que o filho enveredasse pelos caminhos da arte, proibindo-lhe de ter uma vitrola. E em certa medida, diz o músico, isso foi bom, porque lhe forçou a desenvolver uma musicalidade própria. “Nunca foi influenciado por modismos ou segui a cartilha ditada pela indústria. Hoje é mais difícil para um jovem artista emplacar um sucesso, em compensação a possibilidade de interação com seu público é crescente”, atesta o artista, que reconhece ter uma turma boa surgindo na cena pernambucana.

Hoje, quando o temor do vírus parece ter sido direcionado às páginas da história, Alceu Valença promete um show vibrante e emocionante na capital goiana. Não por acaso, ele foi responsável por uma parte da trilha sonora durante os dias de confinamento. Além do show de Alceu, que deve subir ao palco por volta das 21h, o Oscar Niemeyer recebe ainda o festival gastronômico The Chefs Festival, numa simbiose entre boa música e boa comida. É, Alceu Valença, eu já escuto os teus sinais.

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