Começou a quinta temporada do podcast “Discoteca Básica”, disponível no streaming. E em grande estilo. O episódio de estreia deixa os fãs de pós-punk em polvorosa e, com o rigor jornalístico do locutor, redator e produtor Ricardo Alexandre, o ouvinte mergulha no universo das guitarras inebriantes e da poesia cheia de “infelicidismo” que marca o disco “The Queen Is Dead”, clássico lançado pela lendária banda The Smiths, em 1986. É um dos grandes elepês dos anos 1980 e uma obra-prima da cultura pop.
Segundo o crítico Mark Coleman, numa pouco convencional resenha publicada na Rolling Stone, o álbum dos Smiths conta com músicas sobre ser enterrado vivo, piqueniques em cemitérios, Oscar Wilde e confortos do isolamento humano. “Não há como confundir os vocais de Morrissey ou as guitarras de Johnny Marr, porém os Smiths soam diferentes de alguma forma - autoconfiantes em vez de obcecados por si mesmos”, pontua.
No capítulo que abre a nova temporada do “Discoteca Básica”, o público se aprofunda na cena musical de Manchester, cidade inglesa berço de bandas icônicas, como o próprio Smiths. Para dar um sabor consistente ao produto jornalístico, Ricardo conversa com o músico Rodrigo Lariú, fundador do zine e selo Midsummer Madness. O ponto de partida é simples: após o sucesso de “The Smiths” (1984) e “Meat Is Murder” (1985), Morrissey e companhia vão para o estúdio, onde se transformam num grande grupo.
O resto, este repórter sugere ao leitor, é para ser ouvido no streaming, seja lavando vasilhas em casa, dirigindo no trânsito até o trabalho ou sacando o documentário radiofônico “Discoteca Básica” com bons fones no ouvido durante o horário de labor. Segundo pesquisa divulgada pela eMarket, os podcasts atingem os tímpanos de 58% da população e, como toda nova linguagem, quem produz esse tipo de conteúdo se aprimora para pensar o produto a ser veiculado ao streaming.
Há três tipos de programas: aqueles apresentados por apenas um locutor, com boa produção e edição rigorosa; os programas apresentados por dois profissionais, com roteiro também, leve improviso e um formato bem característico do gênero entrevista; e aqueles mais livres, sem edição, microfone aberto e fale o que quiser, como quiser e quando quiser - aí mora o perigo, você sabe. Deixo para quem gosta de literatura dicas sobre os podcasts da editora Todavia e da revista “Quatro Cinco Um” (451 Megahertz) - dois dos melhores.
Com passagem pela revista Bizz, onde foi diretor de redação, e autor do livro “Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos anos 80”, Ricardo Alexandre comanda um dos melhores conteúdos nas plataformas de streaming sobre música, narrando em cada episódio a história de um grande disco do rock, daqui ou de fora, da MPB, com um texto refinado, bom ritmo, boa captação de voz, sonoras de entrevistados e, como não poderia faltar num audiodoc, trechos de música. Em cinco temporadas, já foram objeto de pesquisa do jornalista discos lendários.
Entre eles, destacam-se "Sticky Fingers” (Frejat), “Transa” (Liminha), “Chega de Saudade” (João Gilberto), “Roberto Carlos” (Xico Sá), “Gal a Todo Vapor” (Roberta Martinelli), "Nevermind" (André Forastieri), “Cabeça Dinossauro” (Canisso), “Ten” (Luka Salomão), “Tropicália ou Panis et Circenses” (Tim Bernardes), “Aftermath” (Marcelo Gross), Kind of Blue” (Luis Fernando Veríssimo), “All Things Must Pass” (Samuel Rosa) e “After The Gold Rush” (Nando Reis). Faltam, de fato, mais Beatles, mais jazz e mais BRock.
Certa vez, conversando com a reportagem do Diário da Manhã e cansado da velocidade em que o noticiário pandêmico e político caminhavam, o historiador Diego de Moraes confabulava que, em meio ao coronavírus, o que lhe salvava era ouvir podcasts sobre música. “É o que ando curtindo”, disse Diego, que é doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com tese sobre a obra do tropicalista Tom Zé.
Em tempos no qual o consumo de música se dá via streaming e guiado pela rapidez, o “Discoteca” se apresenta como nada mais do que uma espécie de convite à imersão, com profundidade histórica e análise estética dos discos. Os documentários, cuja duração é de 60 minutos, possibilitam que o público estabeleça relações com os discos, compreendendo o contexto em que ele foi criado e suas referências nas bandas ou artistas deste século.
Para o jornalista Ricardo Alexandre, em tempos de informação telegráfica, opiniões superficiais e desinformação, o podcast traz ainda datas e dados. E com rigor. “Tudo isso apresentado de forma leve e elegante, com participações especiais que promovem também a reflexão e a análise sobre os grandes álbuns da história da música”, afirma Ricardo, num texto disponível no site oficial do “Discoteca” em que explica ao leitor as características jornalísticas que diferem o produto de sites movidos pela lógica do clickbait.
O “Discoteca Básica” se empenha na missão de oferecer ao seu público uma curadoria de elepês e CDs. Após 50 episódios, Ricardo arregaçou as mangas para fazer a obra “Os 500 Maiores Álbuns Brasileiros de Todos os Tempos”, que reuniu 162 especialistas, entrevistas inéditas e informações de bastidores. Vai de Novos Baianos a Racionais MC, sem esquecer, todavia, de Elis Regina, Tom Jobim e Jorge Ben Jor. Participam da obra Nelson Motta, Sergio Martins, Jotabê Medeiros e Mauro Ferreira, produtores como Kassin, Pupillo e Lampadinha e músicos como Leoni, André Abujamra. Para colaborar, é só entrar no catarse. Ou seja, é um supertime, um timaço!
Três bons podcasts para conhecer
Discoteca Básica
O jornalista Ricardo Alexandre, autor de obras sobre música e com passagens pelas principais publicações ligadas à cultura pop, publica às segundas-feiras a história, as anedotas e as loas de um álbum clássico do rock, do pop ou da MPB.
Taradas por Letras
A cantora Letrux e a compositora Leilah unem conceitos densos à cultura pop abrangente. É um programa conduzido por duas amigas que enxergam letra de música em tudo e adoram conversar sobre isso. O último episódio saiu em novembro do ano passado.
O Produtor da Tropicália
O jornalista e pesquisador Renato Vieira entrevista e conduz as memórias de Manoel Barenbein, um dos maiores produtores de LPs do País. Não tem capítulo inédito desde agosto do ano passado, mas serve como uma fonte de informações históricas.