Guns é coisa séria. Mas, caso repita no próximo domingo o que tem apresentado noutros palcos, será uma passagem um tanto frustrante em Goiás. Mesmo para um fã devoto, Axl Rose já não tem mais aquela voz aguda capaz de fazer um edifício ruir e, como você já deve saber, chega num ponto em que a guitarra de Slash não conseguirá dar conta de salvar o concerto: não adianta enfileirar hits atrás de hits ou tentar demonstrar que são sociáveis.
A expectativa é que o show em Goiânia conte com clássicos, como “Sweet Child O´Mine”, “Welcome To The Jungle” e “November Rain”. E sucessos recentes? A julgar pelo que foi apresentado na quinta, 1°, em Manaus (AM), o setlist será mais ou menos esse, com uma variação aqui e ali, além de composições mais recentes. Na capital amazônica, a surpresa foi “Absurd”, lançada nas plataformas de streaming no mês passado - foi nessa faixa que Axl, Slash e Duff McKagan voltaram a dividir o estúdio após 28 anos.
Como se trata de Guns ´N´ Roses, qualquer cuidado é pouco. É só lembrar que, embora sessentões, Axl recebeu sexo oral da stripper Adriana Smith, então com 19 anos, enquanto gravava a última música do disco “Appetite For Destruciton” (1987). Era primavera, noite quente de um final de semana e, ciente do que precisava ser feito, o técnico Vic Deyglio instalou um microfone moderno para capturar em alta qualidade os sons emitidos durante uma transa de Rose e Smith - e, acreditem, lá pelas tantas, o cara teve de entrar ao estúdio.
Por que caceta Vic faria isso? Ora vejam, precisava ajustar a geringonça ao mesmo tempo em que os dois curtiam o sabor tesudo do lesco-lesco, cujos efeitos sonoros se fazem ouvir na música “Rocket Queen”, a última do elepê. Ao leitor habituado a consumir entretenimento adulto, é inevitável que não esboce paralelos com filmes pornográficos. Em 2007, quando “Appetite” completou duas décadas de vida, o técnico comparou o que viveu com uma produção de Ron Jeremy, ator pornô famoso na indústria norte-americana.
Nos anos 1980, unindo um rockão pesado que fazia intersecção entre Aerosmith, Sex Pistols e New York Dolls, o Guns habitava um mundo depravado. Nem bem finalizaram o primeiro disco, a vida dos cinco músicos da banda havia se transformado numa caricatura sombria que envolvia sexo a qualquer hora, destruição à propriedade privada, bebidas de alto teor etílico e, como manda a cartilha do rock, drogas pesadas.
Assim que chegou às lojas, em 21 de julho de 1987, o LP vendeu 15 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos. De cara, virou um dos melhores álbuns da década e, de quebra, do rock produzido naquele período, ao apresentar um som desenhado pela ponta de um lápis retrógrado: havia a crueza da revolta punk, letras sombrias. Era como se, com “Appetite”, o Guns chamasse atenção do público e crítica para o grunge dos anos 1990, motivo de estouro por meio de Alice In Chains, Nirvana e Pearl Jam.
O eixo criativo funcionou desde o começo. Slash honrava a decadência elegante consagrada pelo guitarrista-pirada Keith Richards, por quem ele nunca escondeu sua admiração, e Joe Perry, outro músico pelo qual é apaixonado. Já Axl, revoltado e furioso, atraía para si o centro das atenções, como o vocalista fez na primeira vez em que veio ao Brasil, no Rio in Rio de 91. O show, aliás, foi um dos melhores da carreira do Guns, talvez um degrau acima daquele feito no festival de Roberto Mediana em 2001, quando brigaram com os membros do Oasis.
Axl teve uma vida marcada por polêmicas, porém a situação se agravou mesmo entre 1994 e 2000: controlador, obsessivo e chatérrimo! E, bem, se “Appetite For Destruction" representa a fase de ouro do Guns, "Chinese Democracy” (2008) escancara um grupo que queria distanciar-se do passado. É nele em que o vocalista começou a enfrentar os primeiros problemas com a voz. A melhor música do disco, contudo, é a faixa-título, pesada em suas notas graves que, ironia do destino, não tem nada a ver com o tal “novo Guns”.
De fato, é o tipo de disco que nem é recomendável indicar para alguém que queria conhecer melhor Guns ´N´ Roses. Até os mais fervorosos fãs afirmam que precisaram de tempo para compreendê-lo. Também há momentos gloriosos do guitarrista da cartola. Se Slash melhorou ou não o disco, como se diz, é preciso destacar o clima pesadão que sempre tomou a banda, ao ponto de ter tido 23 formações, o que torna impossível não acreditar que eles querem mais é ganhar uma grana do que qualquer outra coisa.
Em Goiânia, por exemplo, não vão conceder entrevistas. Uma pena. E a fã demitida do hotel em Manaus por fotografar Axl Rose bebendo qualquer coisa no bar do hotel? Triste, lastimável, logo ele cuja fama de drogado e alcoólatra andou lado a lado com seu talento para o rock e para transgredir normas de boa convivência. Mas que será um barato vê-los na Capital goiana, ainda que os tempos áureos tenham ficado para trás, disso ninguém duvida: cuidado com o Guns! Eles são terríveis! E devem continuar sabendo o que fazer no palco.