“Nunca mais”. Esta frase, constantemente repetida no clássico poema ‘O Corvo’, certamente é uma das citações mais conhecidas do escritor americano Edgar Allan Poe (1809-1849), cuja obra será adaptada em ‘A Queda da Casa de Usher’, nova minissérie original da Netflix que estreia no catálogo nesta quinta, 12. Coincidentemente, é uma sentença que também se encaixa na situação atual da parceria entre o criador da série, Mike Flanagan, e a gigante do streaming, já que ‘Usher’ será o projeto final do diretor com o serviço, responsável pela produção e distribuição dos maiores sucessos de Flanagan, como “A Maldição da Residência Hill” e “Missa da Meia-Noite”.
Em uma parceria que durou 7 anos, o que começou como uma simples distribuição de um filme independente (‘Hush: A Morte Ouve’, de 2016) atraiu a atenção de grandes nomes da literatura e do cinema, como Stephen King, autor de ‘It: A Coisa’, e William Friedkin, diretor de ‘O Exorcista’, levando a obras mais ambiciosas, como as minisséries supracitadas, todas com um aspecto em comum: a abordagem do trauma como o verdadeiro terror, mais assustador e mais real do que qualquer coisa sobrenatural. ‘Usher’ reúne a grande maioria do elenco conjunto que Flanagan conseguiu montar ao longo de sua carreira para adaptar a obra clássica de um dos pilares do gênero sob um viés contemporâneo, prometendo fechar a estadia do cineasta na Netflix com chave de ouro.
Assim como “A Maldição da Residência Hill” e “A Maldição da Mansão Bly”, que adaptaram livremente várias obras de Shirley Jackson e Henry James tendo os tempos atuais como ambientação, “A Queda da Casa de Usher” traz para a tela não somente aspectos da obra que leva o título da série, acompanhando as mortes misteriosas e bizarras dos herdeiros da dinastia de farmacêuticos Usher, como também personagens e eventos de outras histórias de Edgar Allan Poe, como “O Corvo”, “O Gato Preto”, “Os Assassinatos na Rua Morgue”, “O Coração Revelador”, “O Poço e o Pêndulo” e “A Máscara da Morte Escarlate”.
Bem-vindo ao ‘Flanaverso’
Pode-se dizer que a Netflix foi a grande responsável por fazer com que Mike Flanagan fosse um nome renomado no gênero do terror atualmente. Tendo realizado um longa-metragem e cinco séries em parceria com o streaming, o diretor construiu o seu próprio estilo de assustar, devidamente reconhecido por nomes como Guillermo del Toro, Quentin Tarantino e, principalmente, Stephen King, que escreveu dois livros adaptados por Flanagan para o cinema: “Jogo Perigoso” e “Doutor Sono”, o último sendo uma sequência ao clássico “O Iluminado”. O cineasta, que também assina o roteiro e serve como editor de suas obras, foi notado por não fazer uso dos típicos jumpscares para arrepiar o público, deixando este trabalho para tanto a atmosfera quanto o desenvolvimento de seus personagens.
Porém, o que mais chama a atenção na obra conjunta de Flanagan é a abordagem do trauma como a verdadeira fonte do terror, mesmo com elementos sobrenaturais na trama. Desde “O Espelho”, de 2013, onde dois irmãos tentam superar a morte brutal dos pais, aparentemente causada por um espelho, até a série “O Clube da Meia-Noite”, que acompanha um grupo de jovens com doenças em estado terminal que compartilham contos assustadores baseados em suas próprias vidas, o trauma é o sangue que bombeia nas veias das histórias do diretor, injetando humanidade, honestidade e realismo aos enredos e aos personagens. O ápice do horror emocional do cineasta foi alcançado em “Missa da Meia-Noite”, um dos únicos trabalhos originais de seu criador, que mistura religião e o sobrenatural de uma maneira homogênea, criando uma reflexão tocante sobre o luto e a fé no processo.
Ao longo de sua carreira, Mike Flanagan conseguiu juntar uma trupe recorrente de atores, muitos dos quais fazem parte do elenco de ‘A Queda da Casa de Usher’. Carla Gugino, Kate Siegel, Rahul Kohli, Bruce Greenwood, Carl Lumbly, Samantha Sloyan, T’Nia Miller, Michael Trucco, Henry Thomas, Zach Gilford, Lulu Wilson, Kyleigh Curran e Ruth Codd apareceram em, pelo menos, um dos trabalhos anteriores do diretor. Siegel, esposa do cineasta, atuou em oito filmes e séries comandados pelo marido e também assinou o roteiro de “Hush: A Morte Ouve”, no qual ela é protagonista.
Após o lançamento de “A Queda da Casa de Usher”, o diretor já tem não só um, mas vários projetos planejados para um futuro próximo. O principal deles é uma adaptação em longa-metragem de “A Vida de Chuck”, conto de Stephen King presente no livro “Com Sangue”, estrelando Tom Hiddleston (‘Loki’) e Mark Hamill (‘Star Wars’). A trama conta a história de um homem chamado Chuck Krantz de trás para frente, começando com sua morte por um tumor cerebral em 1939 e terminando com sua infância, vivida em uma casa mal-assombrada. O longa iniciará as filmagens este mês, com uma previsão de estreia para 2024.
Além disso, com o fim da parceria com a Netflix, a produtora de Flanagan, a Intrepid Pictures, assinou um contrato exclusivo de televisão com a Amazon Studios. Com este novo acordo, Mike obteve os direitos de adaptação do que promete ser o trabalho mais ambicioso de sua carreira: uma releitura fiel da série “A Torre Negra”, escrita por Stephen King, com um planejamento para cinco temporadas e dois filmes. A saga de oito livros, que conecta histórias aparentemente independentes do autor em um universo fictício em comum, foi condensada para a tela em um longa-metragem de 2017 estrelado por Idris Elba e Matthew McConaughey, sendo massacrado pela crítica e pelo público.
No Cinema com João Pedro (Instagram - @nocinemacomjpblog)