Alcione Guimarães e seu avô Honestino
Redação
Publicado em 27 de novembro de 2016 às 01:02 | Atualizado há 4 mesesDepois de migrar das telas, dos traços e das tintas para a literatura, Alcione Guimarães revelou a multiplicidade do seu talento para fazer coisas boas. Com propriedade, talento produzindo poesia e prosa (conto e novela).
Motivada com sua justa posse na Academia Itaberina de Letras e Artes, ocupando a cadeira que tem como patrono seu avô Honestino Guimarães (1876/1931), histórico jornalista, fundador de jornais por esse Goiás afora, publicou com o selo da Editora Kelps, o livro: Reflexões e pesquisas de Alcione Guimarães sobre Honestino Guimarães.
Até então, a trajetória intelectual e humana de Honestino Guimarães não haviam sido visitadas como é merecedor. Esse livro é, sobretudo, um presente especial para Associação Goiana de Imprensa, presidida pelo competente jornalista Valterli Leite Guedes, irmão do meu biografado, o médico naturalista, Jeovar Leite Guedes.
Na introdução do livro que recomendo a leitura para os pesquisadores da historiografia goiana, de forma fragmentada, diz Alcione:
A vida nos leva por caminhos antes nunca sonhados – posições que ocupamos ao longo da nossa existência, cidades, países, projetos que abandonamos e outros que abraçamos na maturidade, todos fazem parte da nossa história.
Esses caminhos fizeram-me chegar a esta cidade do interior de Goiás, com suas casas antigas, ponteadas de outros tempos, mágicos quintais plantados com árvores frutíferas, e tudo mais que aqui vejo e sinto, levam-me a uma realidade diferente, voltada ao passado. ltaberaí. Aqui nasceu meu avô, Honestino Guimarães – patrono de uma cadeira na Academia Itaberina de Letras e Artes – a qual fui convidada a ocupar, através de seu presidente Antônio César Caldas Pinheiro.
Não esperava o convite, como não esperava e passei a saber que a casa – hoje sede da Academia, no passado pertencera a um primo de Honestino. Foram muitas surpresas.
Antônio César Caldas Pinheiro, pessoa muito amável e profundo conhecedor da história de Goiás fez dos cômodos da casa um museu com objetos e fotos de pessoas ilustres da cidade, tudo ainda em fase de organização, que ele mostra despretensiosamente. Ao entrarmos numa pequena sala contígua ao local de solenidades, junto à parede – a cama de casal dos tios de Honestino, sob um dossel de fino algodão revestida com o mesmo tecido, e sobre os travesseiros contornados por delicado crochê, a fotografia dos dois que eu jamais vira. Não eram como eu imaginaria que fossem se algum dia pensasse na existência deles como os vejo agora. E é muito estranho! Apesar de não tê-los conhecido e o muito que tivessem ficado para trás – agora trazidos pela história –, estavam impregnados de uma cumplicidade que ignorava as distâncias e de um sentimento tão íntimo como se naquele momento eu abraçasse o passado e, através daquela fotografia, ouvisse suas vozes como que preservadas pelo tempo para sempre.
Entretanto, meu avô não deixou uma fotografia sequer. Como eu não o conhecera, sentia um interesse renascente, de saber detalhes de sua vida, ver o seu rosto. Muitos anos se passaram. Mesmo assim, sinto que ele caminha ao meu lado pelos cômodos dessa casa, não morto, porém, invisível. “Quando criança, eu pensava que fosse ficar para semente”– certa vez, disse-me o Geraldo, meu marido. Acredito, neste momento, que todos nós ficamos para semente através do que fomos no passado, de nossas realizações e exemplos. E agora – como se eu fizesse o caminho de volta – encontro as raízes da semente que Honestino plantou e sinto um certo estremecimento quando penso que aqui voltarei sempre. Até depois que eu me tornar invisível também.
Resolvo conhecer o quintal dessa casa.
E o quintal, me leva a reflexões, talvez porque todo quintal tenha algo de mistério que na infância não conseguimos identificar, certos segredos que nos envolvem, contidos na percepção do ruído de nossos passos sobre folhas secas, do cheiro que elas exalam, dos insetos e pássaros, tudo em uma profunda harmonia sentida através do silêncio. Talvez essa percepção seja a essência do mistério que buscamos nos quintais. Um tesouro guardado de lembranças da infância.
Jamais o esquecerei. Ficará retido em minha memória como se fosse um quadro que eu possuísse por longos anos e do qual guardasse os detalhes, as cores, sombras e luzes, nitidamente pelo hábito de vê-lo todos os dias. Sob a sombra úmida de uma alta mangueira, um flautista toca uma música antiga, muito antiga, embevecido pelo som alcançado, e a música me leva para outros caminhos antes nunca percorridos. Não sei para onde. Não identifico esse caminho–nem a ele e nem a mim mesma.
Sinto esse quintal. Sigo em trilhas que levam-me às árvores, que em época própria teriam frutas tentadoras, onde talvez Honestino brincara em suas sombras, e chego a um rancho de pau a pique – construído para relembrar de tempos mais antigos ainda – lugar de preferência para reuniões de um pequeno grupo da Academia. Tocante simplicidade.
Desde então, deliberei: quero conhecer Honestino para escrever sobre ele, prolongar sua vida, ressuscitá-lo, e falar de mim mesma. Mas, na verdade, a finalidade maior é revivê-lo.
Alcione Guimarães que cumpriu bem o intento de “ressuscitar” seu avô Honestino, conta seu perfil biográfico:
Nasceu em Goiânia. Formou-se em Direito pela PUC-GO. É artista plástica com diversas exposições individuais, salões e coletivas em vários Estados e fora do País. Escritora com três livros publicados: Zuarte Livro de poemas e pinturas (Goiânia: Kelps, 2000); Fuso de Prata – Livro de contos (São Paulo: Nankin Editorial, 2006) Trama da LuZ–Livro de poemas (Goiânia: Kelps, 2010); Cingar e a porta do meio – Novela (Goiânia: Kelps, 2015).