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Aline Bei traz a Goiânia formato estilístico ousado que a consagrou

Como se quisesse fazer as artes do corpo dialogarem com a literatura, ela participa do Circuito Sesc de Literatura

Prosa poética: escritora se tornou na última década voz importante da literatura brasileira contemporânea - Foto: Renato Parada/ Cia das Letras Prosa poética: escritora se tornou na última década voz importante da literatura brasileira contemporânea - Foto: Renato Parada/ Cia das Letras

As palavras dançam com o ritmo poético imprimido nas obras “O Peso do Pássaro Morto” e “Pequena Coreografia do Adeus”, publicadas pela escritora Aline Bei, que participa do Circuito Literário 2023 nesta sexta-feira, 26, na Biblioteca do Sesc pela manhã, às 9h30, e no Teatro Goiânia, a partir das 19h. Aline se notabilizou por vendas surpreendentes e formato estilístico ousado, como se quisesse fazer as artes do corpo dialogarem com a literatura.

Uma musicalidade de quem entende a relevância do silêncio, se quer saber. Sentimentos sibilantes. Dores murmuradas em frases cortantes. Diagramação sustentando que a linearidade deve ser quebrada. Lembra a sonoridade jazzística de John Coltrane e Miles Davis, ou o ímpeto roqueiro de Lou Reed e Nick Cave, para só depois evocar o lirismo de Neil Young e Bob Dylan. Foi o teatro que ensinou a Aline a dispor as palavras sem se desviar da sonoridade. Também, pudera: ela exerceu o ofício cênico durante toda a adolescência.

Paulistana nascida em 1987, a escritora concluiu a graduação de artes cênicas pelo teatro-escola Célia Helena e se formou em letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A maneira inimitável com a qual escreve lhe sagrou vencedora do prêmio São Paulo de Literatura, em 2018, um dos mais importantes do País. Era o “O Peso do Pássaro Morto” (Nós) - já vendeu mais de 30 mil cópias - e sua trama que retrata uma mãe violentada deixando os leitores boquiabertos. Tudo isso, aliás, escrito em versos.

Socorro literário

Aline socorreu os pais com a escrita. Nos anos 90, enquanto o Plano Real não estabilizava a economia, as famílias de classe média foram assoladas pela crise econômica. Como a palavra também é instrumento pedagógico, a escritora canalizou nela questões que lhe incomodavam na infância. Superou os obstáculos e, na PUC, idealizou a Revista Transa, publicação que permitiu a jovem exercitar sua escrita, burilando-a ao ritmo de Hilda Hilst, libertando-a ao som de Henry Miller e polindo-a dos sabores feministas de Anaïs Nin.

Segundo a escritora Micheliny Verunschk, Aline Bei é dona de narrativa que mescla densidade e leveza. “A prosa de Aline é simultaneamente claridade de vidro e ponta aguda de faca. Impressiona ver como a autora domina as traduções do discurso oral para a letra impressa e como a voz de sua personagem amadurece conforme o tempo de sua vida vai passando”, analisa Micheliny, autora importante da literatura brasileira contemporânea.

Com 168 páginas, “O Peso do Pássaro Morto” percorre a vida de uma mulher desde os oito aos 52 anos. Pela prosa, inigualável e comovente, sucederam-se as singelezas cotidianas, as tragédias existenciais, as violências: “o gosto morno/ era azedo./ ele socou o pau até o fundo mais/ impossível da minha/ garganta,/ vomitei.” Mas Pedro, o cara com quem a protagonista transa, num momento que tinha tudo para ser excitante, diz que mulheres, como a personagem, “só prestam para dar/ e olhe lá que tem muita putinha bem mais/ delícia”.

A obra, densa e leve, violenta e poética, consolida a voz narrativa de Aline Bei como uma das mais importantes no cenário brasileiro. Se a autora já demonstrava talento desde quando escrevia na revista digital “Oitava Arte”, com a qual o repórter travou contato pela primeira vez com a escritora, é o “O Peso do Pássaro Morto” que confirma a força de seu texto. A mescla entre poesia e prosa, por exemplo, chegou a incomodar editores, e Aline se manteve certa de que não mudaria vírgula nenhuma. O que ela fez muito bem, convenhamos.

Ao DM, quando este repórter conversou com a escritora lá pelos idos de 2018, Aline revelou que optou por quebrar as frases com objetivo de atribuir ritmo à narrativa. “Me ajuda a contar a história, além de valorizar imagens e preservar alguns silêncios que não consigo dar para o texto caso ele fosse corrido. Também porque acredito que a palavra, se usada de forma plástica pensando a página como um palco, ajuda a criar uma experiência sensorial de leitura”, contou, em entrevista realizada por email - ou seja, escrita no estilo aliniano.

Texto intimista

Aline faz um trabalho intimista e pessoal. Em termos estilísticos, frases curtas, períodos espaçados, mancha gráfica alterada e diagramação sui generis do texto fazem do romance uma obra que já nasceu clássica. E o livro demonstra, além de tudo, o esforço da autora em revelar como uma mulher silenciada pode ter até o nome maquiado. Isso sem contar, no entanto, o salto temporal capaz de proporcionar imersões em passagens cruciais na vida da protagonista. Mesmo com todas as dores, vemos ali que nem só de tristeza ela é feita.

Há dois anos, agora uma autora já aclamada aos quatro cantos do País, Aline coloca de novo a literatura a serviço das mulheres. Na esteira do boom angariado com “O Peso do Pássaro Morto”, a escritora lança seu segundo romance, “Pequena Coreografia do Adeus”, pela maior editora brasileira - a Companhia das Letras. Essa obra revalida as texturas estéticas da escrita aliniana, com atenção às pausas e aos respiros apresentados pelo ritmo narrativo. Sinais gráficos chamam nossos olhos para aspectos emocionais de Júlia Terra.

Desprovida de diálogo, a protagonista e narradora do romance se vê limitada pela violência patriarcal, sem que ninguém lhe escute ou tenha qualquer indício de remorso. Os pais, Vera e Sérgio, levam o leitor para o enredo. Silêncios e violências fazem com que Júlia vá procurar amor fora do círculo familiar. São pessoas que entram na vida dela de forma inesperada. Escritora intrigada com as dores e os amores (ou desamores), Aline Bei ministrará oficina de escrita e baterá um pop com a escritora com a poeta Thaise Monteiro, no Teatro Goiânia.

Oficina de escrita

Escritora: Aline Bei

Horário: das 9h30 às 13h30

Gênero: Literatura

Classificação: 16 anos

Local: Biblioteca do Sesc Centro

Inscrições no site do Sesc

Bate-papo literário

Escritoras: Aline Bei e Thaise Monteiro. Mediação: Pilar Bu

Horário: 19h

Gênero: Literatura

Classificação: 16 anos

Local: Teatro Goiânia

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