Goiânia recebe a segunda ópera genuinamente goiana, com a estreia de “Ana Pedro”, uma obra que promete envolver tanto o público juvenil quanto o adulto. A peça, escrita por Miguel Jorge e composta por Juliano Lima, será apresentada nos dias 03, 04 e 05 de outubro, às 20h, no Teatro Escola Basileu França.
A proposta de “Ana Pedro” surge em um contexto onde a arte e a cultura local buscam se firmar como um espaço de resistência e expressão. O público goiano terá a oportunidade de experimentar uma narrativa rica, que toca em temas universais e emocionais, numa construção que dialoga com as inquietações contemporâneas.
Miguel Jorge destaca que a obra foi inicialmente escrita para o público juvenil, mas, após a edição, percebeu que a temática da ópera alcançava um espectro mais amplo. “Ana Pedro a princípio foi escrita visando o público juvenil, depois de editada, os editores perceberam que a temática atingia a universalidade das coisas e que o assunto atingia um maior número de pessoas”, afirmou Jorge. Essa transição demonstra a capacidade da obra de ressoar com diferentes idades e experiências de vida, tornando-a uma peça relevante para toda a sociedade.
A história de “Ana Pedro” é baseada em uma novela homônima e aborda questões complexas de identidade, pertencimento e aceitação. O enredo gira em torno de Ana, uma menina que nasce em um contexto de expectativas e rejeições. Seu pai, Senhor Thomás, desejava um filho homem para ajudá-lo nas lides da fazenda e se mostra desapontado ao saber da chegada de mais uma filha. O autor explora os dilemas familiares através de uma narrativa que traz à tona a pressão social sobre o gênero e as expectativas parentais.
Em uma reviravolta, Ana é trocada por Ruither, o filho da vizinha que acabara de nascer. Essa troca, realizada por Madalena, mãe de Ana, e Ozana, uma mulher com poderes misteriosos, é o ponto central do enredo e cria um jogo de identidade que permeia a trama. Ao longo da narrativa, Ana é criada sob o nome de Pedro, e a história se desenrola em torno das consequências dessa troca e da busca pela verdade.
Com o passar do tempo, Ana não consegue mais esconder sua verdadeira identidade. Ao se tornar uma jovem, ela revela sua essência para seu pai, que reage de forma devastadora. “O impacto dessa descoberta é um dos grandes momentos da ópera”, comenta Jorge, ao se referir ao clímax da narrativa, onde as emoções se intensificam. Thomás, devastado e traído, foge para a mata, levando o público a um momento de reflexão sobre a fragilidade das relações humanas e a necessidade de aceitação.
Após meses de solidão e arrependimento, Ozana encontra Thomás, que agora se assemelha mais a uma fera do que a um ser humano. A interação entre os dois personagens revela não apenas a desolação de Thomás, mas também a complexidade da relação entre pai e filha.
A reconciliação que ocorre ao final do espetáculo é uma celebração da aceitação, onde Thomás retorna para casa e é recebido com carinho e perdão por suas filhas. Essa mensagem de reconciliação é um dos pilares centrais da narrativa, reforçando a importância da humildade e do amor familiar.
Em uma conversa sobre a obra, Miguel Jorge enfatiza os desafios enfrentados ao adaptar a prosa para o libreto de ópera. “Passar da prosa para o libreto não é fácil; no entanto, consegui realizar essa tarefa”, explica o autor.
Ele destaca a colaboração com Juliano Lima, que trouxe a música à vida, aparando as arestas da narrativa. “Aliás, a música é muito bonita”, afirma Jorge, expressando sua confiança no trabalho realizado pela equipe envolvida. Ele reforça a expectativa positiva em relação ao sucesso da ópera, enfatizando o empenho de Eliseu Ferreira, o maestro, e toda a equipe para entregar um espetáculo digno e impactante.
O maestro Eliseu Ferreira, por sua vez, compartilha sua visão sobre os desafios da primeira audição de uma obra. “Fazer uma obra em primeira audição é sempre um desafio. Você não tem referência musical; no máximo, tem uma referência de uma máquina tocando o som”, afirma Ferreira.
Ele enfatiza a importância da música no contexto da ópera, mencionando a tradição operística e a forma contemporânea que Juliano Lima trouxe à obra. “Juliano escreve duetos, quartetos, parte coral, de uma forma moderna”, destaca o maestro, revelando sua empolgação com o resultado final da produção.
Ferreira também ressalta a relevância cultural da produção da ópera em Goiás, destacando como esse tipo de projeto não apenas cria oportunidades para artistas locais, mas também fortalece a cena musical da região. “É uma atividade que eu sempre busquei fazer, trazer obras em primeira audição de compositores goianos”, diz o maestro, expressando seu orgulho por participar desse momento musical que pode fazer uma diferença significativa no contexto cultural da região.
“Ana Pedro” é um convite ao público goiano para se envolver com uma experiência artística que transcende as barreiras da idade e das expectativas. A ópera não apenas proporciona um momento de entretenimento, mas também instiga reflexões sobre identidade e aceitação em um mundo em constante mudança. E promete ser uma oportunidade valiosa para a valorização da cultura local, ao mesmo tempo em que oferece uma nova perspectiva sobre temas universais que afetam a todos.