
Pioneiro em Goiás na concepção de instrumentos musicais feitos com materiais descartados, o grupo Vida Seca comemora neste ano duas décadas de carreira. A celebração será em alto nível lançando o novo disco, “ProvocaSom”, cujo show em que as novas composições serão interpretadas ocorrerá na próxima sexta-feira, 7, a partir das 20h, no Sesc Centro.
“ProvocaSom” se guia pela diversidade e, dessa forma, as raízes da brasilidade dialogam com a influência afro-latina. Há certa dose — necessária, diga-se — de experimentalismo. Ouve-se eletroacústica, eletrônica e sons da urbanidade. Tudo natural, orgânico.
Integrante do Vida Seca, o músico Ricardo Roqueto afirma que o processo de composição, como sempre, foi coletivo. “Todos trouxeram suas ideias e as desenvolveram em conjunto e também com total abertura para as ideias trazidas pelos convidados”, conta. Ele participa dessa assembleia criativa com os camaradas Danilo Rosolem, Igor Zargov e Thiago Verano.
Uma canção bônus já está disponível no canal da banda pelo Youtube. “Movido a Água”, parceria entre o vanguardista paulistano Itamar Assumpção e o novo baiano Luiz Galvão, saiu em 1983 no elepê “Sampa Midnight — Isso Não Vai Ficar Assim”, em que Assumpção aproxima-se da melodia e destila sua força poética durante 15 criações experimentais.
A instrumentação se revela sequiosa, jazzy, como nunca. Na perspectiva instrumental, a versão de “Movido a Água” gravada por Assumpção demonstra um sotaque reggaeado. Reggaeado mas brasileiro, como percebemos. A música balança, flutuante, meio Bob Marley, meio Peter Tosh, com aquela síncope dançante deles, com aquele arranjo pra cima dos caras.
O Vida Seca, por sua vez, mantém tal espírito em sua releitura, mas põe nela percussão. Que balanço: joga lá pro alto o astral. E a audição gera esta pergunta singela: como performarão ao vivo? Banda e artista, digo. O ouvinte fica com o desejo de admirá-los, fitá-los do primeiro acorde ao último verso, reverenciá-los da primeira palavra à derradeira nota.
Sobre a releitura, Roqueto revela que regravar Itamar Assumpção era um desejo antigo. “Acreditamos que a temática da letra tem tudo a ver com nosso trabalho”, afirma o músico, a respeito do clipe que foi realizado pela Aniz Produções, com direção de Ana Clara Gomes.
Ele elogia ainda a parceria em estúdio com Anelis: “Para nós foi uma grande alegria recebê-la. Nos demos muito bem e tivemos um excelente entrosamento musical.” A artista, feliz, também se derrete simpática por ter estado em Goiás, no Sertão Negro, para gravar seu pai num disco de banda instrumental que faz um “trabalho autoral de resistência”.
“É bom ver que é possível coexistir nesse Brasil tão complexo”, sentencia Anelis, dizendo que a parceria funcionou pelo fato de o grupo ter um pensamento musical diferente do dela. “Eu acho esse trabalho que o Vida Seca faz muito importante, é muito fácil desistir disso, porque é um sonho, construir uma ideia, pesquisar e construir uma instrumentação e defender esse som, compor para esses instrumentos e ver sonhos acontecerem.”
“Para nós foi uma grande alegria recebê-la. Nos demos muito bem e tivemos um excelente entrosamento musical” Ricardo Roqueto, músico
Criado em 2004, o Vida Seca tem desenvolvido algo inédito na música goiana. Seus integrantes trabalham com latas de tinta, óleo lubrificante e pedaços de calha para fiação elétrica. Tornam-se uma bateria, ou melhor, uma sucateria. Teclas de porcelanato viram uma marimba, ou um porcelanotofone, e madeiras e funis passam a ser instrumentos de sopro.
Mas não pense que é fácil: essa luthieria requer tempo. Muita pesquisa para construir instrumentos. Horas estudando, lendo. Horas debruçado no conhecimento. Só aí, estudado e lido, parte-se a ideias originais ou pesquisas a partir de trabalhos já existentes. É um acervo único no estado. A sonoridade é singular. O resultado é música experimental, popular.
Microtonais
O Vida Seca amadureceu. Desde 2022, está imerso nas ações do primeiro projeto ProvocaSom, que lhe garantiu a manutenção do trabalho e deu numa oficina com o mestre Márcio Vieira. Isso resultou ótimo: dois novos instrumentos musicais microtonais, a Comarimba e o Microxilo. Ambos são fundamentais para a música pensada pelo grupo.
Além de Anelis, “ProvocaSom” traz Mestre Alemão, conhecido pela atuação no projeto Coró de Pau. “Esta faixa é a cara dele, com uma percussão rica em balanço, com muitas viradas e chamadas. Para nós foi uma alegria finalmente gravar algo com ele, que teve influência no surgimento do grupo, pois somos parte de uma cena de música brasileira que floresceu em Goiânia no início dos anos 2000 e que teve o Alemão como figura central”, diz Roqueto.
Já os músicos Ronan Gil e Brabo-Durand tocam na faixa “Intrudo”. Roqueto diz que a participação deles no trabalho foi fruto de um encontro “maravilhoso”. “Já os conhecemos há alguns anos. Ambos conhecem e apreciam nosso trabalho. Eles vêm de uma escola de música de concerto e experimental que nos interessa e que tem conexões com nosso trabalho e se encaixaram perfeitamente no clima da faixa Intrudo. O resultado nos deixou surpresos.”
LANÇAMENTO DE DISCO
Sexta-feira, 7, às 20h
Teatro Sesc Centro
R. 15, 178-298 - St. Central
Entrada franca