Pense e dance: duas datas do Barão Vermelho (14 e 22 de julho) em Goiás é motivo para você ouvir a segunda faixa do elepê “Carnaval” (1988) no último volume do escracho. Blues-rock porra-louca, lirismo bêbado das madrugadas cariocas, grito de liberdade no respiro final da ditadura. Mistura de Allen Ginsberg com Dolores Duran - sobretudo na fase cazuziana. O Barão (vermelho, óbvio, mas simplesmente Barão para os fãs) faz nosso dia nascer feliz.
Cazuza foi a primeira fissura da banda. Após gravar os álbuns “Barão Vermelho” (1982), “Barão Vermelho 2” (1983) e “Maior Abandonado” (1984), o letrista saiu e levou consigo boa parte do repertório que estaria no quarto disco, como a faixa “Só as Mães São Felizes”, gravada em “Exagerado” (1985), o primeiro solo do cantor. Frejat, então, assumiu os microfones. A ele, ao baixista De, ao tecladista Maurício Barros e ao baterista Guto Goffi, uniram-se o percussionista Peninha e o guitarrista Fernando Magalhães.
Sem tanto alarde, o Barão lançou o disco “Declare Guerra” (1986) e “Rock´n Geral” (1987), que registra neste último parceria “ponte aérea” com o então titã Arnaldo Antunes na bela “Quem Me Olha Só” - uma bem sacada metáfora de Arnaldo para falar de amor. Só que nem isso recolocou o grupo nos trilhos do sucesso. A maré de azar (azar mesmo, ao ponto de os músicos recorreram a um pai de santo) cessou apenas com o hit “Pense e Dance”, em 1988.
Com o grupo inserido de novo sob a luz dos holofotes, nasceu a necessidade de regravar os clássicos no vozeirão de Frejat. Estão lá no disco-pauleira “Barão Ao Vivo” (1989), captado na antiga casa de show Dama Xoc, que marcou a noite paulistana nos anos 1980. O Barão corria o Brasil (com apresentações na Capital goiana) a bordo da turnê “Carnaval”. Mas Dé, baixista que atravessara o furacão Cazuza, queria viver experiências musicais diferentes.
Havia uma incompatibilidade entre eles. Guto sacaneou e sugeriu que a banda procurasse Dadi, ex-integrante da banda A Cor do Som, sucesso do rock brasileiro nos anos 1970. A essa altura, de fato, o Barão Vermelho nem precisava provar nada a críticos, só pedir mais uma dose e assistir. Com o disco “Na Calada da Noite” (1990), Frejat e companhia colhiam os frutos de uma carreira que oscilou entre momentos de glória e outros de baixa.
Os anos 90 asseguraram à banda lugar de destaque na história do rock brasileiro: “Supermercados da Vida” (1992) produziu o single “Pedra, Flor e Espinho”, até hoje reverenciado pela letra assinada por Dulce Quental e pelo violão folk roqueiramente tocado por Roberto Frejat. Como a onda era o grunge, os barões acenaram ao gênero norte-americano no disco “Carne Crua” (1994). Depois, homenagearam artistas brasileiros com “Álbum” (1996), no qual há releituras de Angela Rô Rô, Caetano Veloso e Gang 90.
Flertaram ainda com a música eletrônica em “Puro Êxtase” (1998), que o produtor Ezequiel Neves (figura lendária, fã de Rolling Stones e jornalista de rock precursor no Brasil) achava, digamos, um absurdo. Mesmo assim, é dele, por exemplo, a romântica “Por Você”e a sensual “Puro Êxtase”. Entram num hiato em 2001, retornaram quatro anos depois, aí hibernaram mais um pouco de 2011 até 2012, quando comemoraram 30 anos de estrada.
Em 2017, foi a vez de Roberto Frejat anunciar que iria se desligar da banda, com a qual ingressou no panteão dos grandes guitarristas brasileiros e dos maiores compositores. Assim como ocorrera em 1985, quando Cazuza resolveu sair fora, Guto Goffi, Maurício Barros e Fernando Magalhães (antes havia pulado fora o baixista Rodrigo Santos, que substituiu Dadi, que havia substituído Dé) seguiram em frente: Rodrigo Suricato foi chamado para a difícil tarefa de ocupar o posto de Frejat. Com a nova cara, lançaram novos trabalhos.
“Barão Pra Sempre” (2018), “Viva” (2019) e “Barão 40” (2022) mostram que a banda, na verdade, vai muito bem. É isso que o público deve esperar dos shows em Goiás no mês que vem. Porque, benzinho, eu ando pirado, rodando de bar em bar e quero mais uma dose.