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'Better Call Saul' reina como a melhor série do streaming

“Better Call Saul” vai deixar saudade. Uma das melhores séries disponíveis no streaming, o spin off da clássica “Breaking Bad” é diferente de tudo: o arco narrativo do roteiro deveria ser ensinado nas faculdades de audiovisual, as atuações são estupendas, os ângulos da fotografia (geralmente contra-plongées bem pensados) ajudam a contar a história ao chamar a atenção do espectador para certos personagens e, sem exagero, a direção remete aos filmes de Martin Scorsese. Ou seja, os cinéfilos não possuem um motivo plausível para odiá-la.

Uma das características de “Better Call Saul” (Netflix) é a tensão que permeia as duas pontas da narrativa. Tudo aparenta uma lentidão. A câmera, como se tivesse afinidade com o advogado trambiqueiro que protagoniza a trama, foca - e também demora - em objetos nonsenses, a exemplo de um folha caída no chão, e fica estagnada no sangue escorrendo após uma morte violenta provocada por briga de gangue. Noutro eixo da trama, há brutalidade, guerras entre narcotraficantes, negócios que servem de fachada e advogados que se acham donos do mundo.

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Odenkirk interpreta o personagem Gene Takovic no spin off - Foto: Divulgação

A dramaturgia é costurada pelas contradições de Jimmy/ Saul, papel brilhantemente interpretado pelo ator Bob Odenkirk. Um detalhe chocante e, não menos, curioso: Odenkirk, durante as gravações dos últimos episódios da série, no ano passado, sofreu um ataque cardíaco. Por pouco, o infarto não lhe custou a vida, num paralelo inevitável com o que ocorreu com Martin Sheen, no set de “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola. Recebeu ali mesmo os primeiros socorros e, com a ajuda da supervisora de saúde, foi submetido aos cuidados fundamentais para preservar a vida.

Deu tudo certo: em uma semana, pronto para voltar ao trabalho. De volta ao universo de Saul Goodman, cabe dizer que o personagem transita entre dois conflitos morais. Ele é esperto, porém ingênuo. Foi vítima do irmão, mas cada vez que vai internado por conta de uma esquisita alergia a eletricidade é Saul quem fica preocupado, permanecendo junto de Chuck no hospital e cuidando dele no retorno à casa. Mas o protagonista é complexo e, ao mesmo tempo que lida com o desprezo do brother e de seu sócio, Howard, desperdiçou as chances que a vida lhe deu, como um emprego cheio de mordomias num escritório de advocacia. 

O que Saul fez? Cavou sua demissão. Mas o fato é que ele, ao receber uma Mercedes que sequer tinha lugar para colocar seu copo de café, é diferente daquilo tudo: usa métodos pouco convencionais, suborna as testemunhas se for possível e apela até para comerciais na televisão, um dos motivos para que seus chefes ficassem furiosos com ele. Ou seja, não se adapta a esse universo. E seu irmão, que esconde a alma numa tentativa de se mostrar moralmente superior, tira-lhe sarro por ter se formado em direito por meio de educação à distância. “Não é igual a mim”, diz Chuck.

Degradação ética

À medida que o espectador vai fazendo uma imersão à história, como se fosse uma representação do olhar torto e da degradação ética de Saul, a abertura se torna cada vez mais tremida e, com isso, as cores somem. Em “Nippy”, décimo episódio da sexta temporada, a introdução fica parada ao melhor estilo fita cassete e, então, a tela fica toda azul, só com “Better Call Saul” escrito com o título em branco. São esses pequenos detalhes que fazem da série um entretenimento de grande qualidade.

Para quem não assistiu “Breaking Bad” e não tem tanta familiaridade assim com a figura que se chama Saul Goodman, “Better Call Saul” mostra a mudança de Jimmy McGill para Saul, em uma cronologia que se passa antes de Walter White e Jesse Pinkman, personagens centrais de ‘Breaking’, assumirem o controle da produção de metanfetamina na cidade de Albuquerque, nos Estados Unidos. No spin off, o público acompanha as trocas de poder dos cartéis. E, embora seja uma série sobre o universo do crime, o clima tenso não vem da ação.

Better Call Saul pode ter ido longe demais em destino final de seus mortos
Camisa chamativa e terno extravagante: vestuário de Saul Goodman - Foto: Divulgação

Pelo contrário, é a lentidão que gera no espectador um estado apreensivo. Mas há violência, como a morte de Howard, assassinado por Lalo, na sexta temporada - a cena é forte, uma porrada no espectador. Seguindo a tradição do cinema scorseseano, a fotografia mostra o sangue do sócio da HHM escorrendo e se espalhando pelo piso. Acabou a graça. Rir de quê? Jimmy e Rim, personagem de Rhea Seehorn, estão envolvidos até os cabelos com a morte do advogado. Entre eles, cria-se um clima desprazeroso. Ela pede a separação. O que será daqui pra frente? Não sabemos.

E há um motivo: em que lugar Kim estaria em “Breaking Bad”? Não dá para ter certeza. Dizem que ela seria durante os acontecimentos da série original uma funcionária de Gus Fring, papel do ator Giancarlo Esposito, chefão do tráfico em Albuquerque e proprietário da empresa de fachada Los Pollos Hermanos. Mas quem garante? Para obter essa resposta, é necessário chegar até o final de "Better Call Saul”, que está em seu término.

Entre um roteiro impecável, uma direção scorseseana e atuações memoráveis, o spin off se tornou uma das melhores séries produzidas na década e, de longe, a mais interessante disponível nos serviços de streaming. Embora o espectador saiba o spoiler dela (está em “Breaking Bad”), ainda assim existe um incógnita na composição dos personagens, com suas jornadas e seus dramas, o que amplia a visão do público a respeito da trajetória de Walter e Pinkman. Ansiedade é forte para o desfecho da trama criada por Vince Gilligan e Peter Gould, também idealizadores daquela revolta do indivíduo contra o sistema.

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