Ligue o som, aumente o volume e ouça bem o que vou te dizer: Aretha Franklin tem tudo o que a gente precisa. Não, amigo, ela não morreu há cinco, quase seis anos. Vivo dizendo por aí que sua música jamais irá se calar. Meu palpite é que ela, diva máxima da soul music e uma das melhores intérpretes musicais de qualquer estilo, construiu uma obra capaz de definir o arquétipo feminino: sensual e forte, ferina e amorosa, consciente e engajada.
Uma vida assim - de dores, dolores e discos - havia muito merecia habitar os livros. Ao que, lá vou eu, já aviso: esse livro vai sair. Vai sair - precisamente - no dia 29 deste mês. Contudo, transcorre-se no site da editora Belas Letras, casa editorial da publicação em território brasileiro, a pré-venda do texto biográfico-literário moldado pela pena jornalística de David Ritz, o cara responsável por nos revelar que parte das histórias contadas por Aretha era fantasiosa. Ou seja, você está diante de uma narrativa não autorizada pela cantora.
Mas a quem interessaria uma obra, digamos, simpática à diva do soul? Pois é, veja só, a ninguém. Talvez porque esse livro já tenha sido escrito pelo próprio punho de Aretha, em 1998, com a ajuda de um autor que cuidara das biografias sobre Ray Charles, Etta James, Marvin Gaye. Isso mesmo, Ritz colaborou na redação de tal obra, durante a qual, é certo, obteve acesso exclusivo a períodos nebulosos da vida de Aretha Franklin. “É a biografia monumental que todos nós esperávamos”, elogiou o crítico Joe Selvin, no jornal “San Francisco Chronicle”.
Quando gravou “Respect” no disco “Aretha: Lady Of Soul”, lançado em 1967, Aretha deu outro significado à canção do lendário Otis Redding. Imagine, Redding, o seminal cantor e compositor da black music estadunidense... Mas se havia uma coisa em que Aretha era mesmo boa, e isso nem eu e nem você somos capazes de desdizer, era tomar certas medidas que, pensando bem, passavam longe um bocado do que chamamos de normalidade. Como, por exemplo, o quê? Ué, simples: transformar uma música sensual num hino feminista.
Redding, esperto, declarou: “essa música é dela”. Mesmo que o sucesso lhe colocasse dentre as maiores vozes da música, anjos e demônios não tornavam as coisas fáceis pra ela. Nunca abriu o jogo sobre a primeira gravidez, aos 12 anos. Jamais disse algo a respeito do segundo filho, que veio aos 14. Duas crianças que vieram ao mundo por pressão do pai, o impiedoso e bem relacionado pastor pentecostal C.L Franklin, que era amigo de Martin Luther King. A mãe morrera quando tinha dez anos, porém nunca se fez efetivamente presente.
Ainda menor de idade, exibia um vozeirão que muitas cantoras de 25 ou 30 anos sonhavam em ter. Não abria o bico. Só cantava, porque cantar, se revelava as nuances de uma alma atarantada pela morbidez do machismo, servia - sobretudo - para deixar plateias de queixo caído. Aos poucos, a dor existencial passou a ser uma parte inacessível, de quem achava mais valioso viver inebriado pelo autoengano do que reconhecer suas profundezas.
Gospel
Um dos maiores fomentadores do gospel foi o reverendo Clarence LaVaughn Franklin, pai da cantora Aretha Franklin, considerada a maior voz da soul music. Em períodos distintos de sua vida, Aretha - nascida em 1942 e morta em 2018 - conviveu com Sam Cooke, Mahalia Jackson e Dinah Washington, nomes fundamentais à música e também cantores de gospel. Ainda menina, na infância, aprendera os acordes do gênero com o pastor James Cleveland, que participou do disco “Amazing Grace” (veja abaixo), um dos melhores gravados pela artista.
Anos antes, todavia, casou-se com um aproveitador. Ted White lhe agredia, mas Aretha - empoderada - logo se livrou dele. Ele ficou furioso, por exemplo, pelo fato de “sua” mulher gravar com Muscle Shoals Sound Rhythm, grupo de suingue nas cordas, teclas, sopros e batidas formado em Memphis, no Tennessee, EUA. “Vi como olhou pra eles”, falou o marido tosco, referindo-se à troca de olhares que gente como ele nunca saberá o que é. A cantora só foi acontecer - comercialmente falando - quando assinou contrato com a Atlantic Records.
Na Columbia Records, antiga casa fonográfica, faziam-lhe cantar jazz insosso, mas Jerry Wexler, da Atlantic, onde estava a nata do soul, modernizou-lhe o repertório e colocou-lhe para tocar com os tais Sound Rhythm. “Lady Soul” é o terceiro disco com Jerry. Autodidata, bastava ouvir a música uma vez para já saber cantá-la e tocá-la. “Tinha um ouvido infalível”, atesta o biógrafo, num trecho de “Respect - A Vida de Aretha Franklin”. Leiam essa obra.
Respect - A Vida de Aretha Franklin
Autor: David Ritz
Gênero: Biografia
Páginas: 597
Editora: Belas Letras
Preço: R$ 139