Caro Sr.,
Você não me conhece, e isso não é a maior questão aqui. Estou certamente entre os milhões de brasileiros que cresceram assistindo ao senhor nos antigos tubos-caixotes que agora, com a evolução tecnológica, tornaram-se telas planas.
Junto com isso ouvi o que se diz respeito a narrativa do "self-made man" que atravessa a sua própria vida e trajetória. De feirante a um dos maiores apresentadores populares e empresário dono de um grande conglomerado midiático. Admirável e longeva, afinal, qual é a idade atual do senhor? 90 anos?
Quero que saiba que não escrevo isso aqui para 'xingar' ou cometer qualquer deselegância contra um senhor de tal idade. Longe disso. Meu motivo aqui é um apelo ao que o senhor possui - ainda - de humanidade e consciência.
Veja bem, toda essa disputa sua em torno do terreno ao lado do Teatro Oficina durante tanto tempo não é apenas o símbolo representativo do combate entre o que chamamos de arte versus capital. A coisa vai num lugar ainda mais profundo, um lugar mesmo onde são forjados os novos valores e de onde emerge o "homem/mulher" enquanto criatura, ser e consciência humana, social.
Sílvio, se os teus 90 anos devem ter mostrado algo é que a vida é um acontecimento, um fenômeno, uma presença que ultrapassa as especulações de todos os tipos, sobretudo, a financeira. Você já não conquistou, em termos de materialidade, propriedades, capitais e tesouros, basicamente tudo o que quis? Até quantas gerações depois do senhor, filhos e netos o seu capital atual poderá durar? Isso não vos parece suficiente? Já não basta? Pra quê essa "incansável" ânsia de mais e mais e mais? (poder, capital, influência, propriedades, dinheiro, etc)
Acontece, Sílvio, e o senhor há de convir comigo se fizer uso da sensibilidade livre e da inteligência humana, que os recursos da terra não são infinitos e a exploração firmada e mobilizada pela ganância trarão um imenso prejuízo cuja conta sacrificará a vida de todos e o próprio futuro da espécie.
Pois bem, como disse, nessa disputa histórica que marca inclusive o corpo da cidade de São Paulo, uma cidade que de tão grande e turbulenta já respira mal apesar de parecer uma máquina arrojada e bem azeitada pelo lucro, pela disputa da eficiência simbólica e material, precisa rever todo o seu estruturamento e a base mesmo de seu estatuto existencial para que possa não apenas abrigar as pessoas e cidadãos (e não apenas os "consumidores" com o uso e desperdício exclusivo de recursos, mercadorias, ideologias e etc), mas através dessa revisão completa poder ajudar a gerar novos tipos de indivíduos afinados com a permanência e transmissão da beleza, da cultura, da vivacidade e da alegria imediata ligadas ao planeta, às pessoas e à terra e não somente por meio das falsas representações televisionadas.
O que o seu antigo "arqui-rival" Zé Celso (evoé, grandioso humano Zé!) nos deixou e ensinou ultrapassa qualquer gênero de mesquinharia - seja ela midiática, narcísico-umbiguista, ou qual for - pra tornar-se um dimensionamento revolucionário do ser humano totalmente atrelado à vida na terra, ao sentido da terra com seu devir aberto e desimpedido.
Infelizmente nenhuma criatura viva - de qualquer espécie - é biologicamente eterna e eventualmente se depara com a própria finitude. Ontem foi o Zé, amanhã poderá ser o senhor, Silvio Santos, um dos empresários mais ricos e poderosos do país. Nenhum dinheiro e poder, influência e etc, pode deter ou impedir a morte de sobrevir. É verdade que até ajuda a retardar o processo artificialmente, mas dificilmente é de modo peremptório eficaz.
Por isso escrevo-te humildemente, Silvio. Eu que sou apenas um poeta nômade no meio do caos e da incerteza da fragilíssima vida nesta megalópole. Um ser humano dentre bilhares de seres humanos, ridiculamente pequeno no meio dessa agitação toda. Quero te pedir: aproveita o teu gesto de humildade mais recente ao se desculpar ao presidente Luís Inácio Lula da Silva pela fala ignara, preconceituosa e irresponsável daquele seu empregado, o "humorista" (muito sem graça, inclusive) Carlos Alberto de Nóbrega e estenda o seu pedido e reconhecimento à luta da vida de Zé Celso e de seu legado, primordialmente a criação do Parque Teatro do Bixiga no terreno ao lado do teatro e que pertence, como propriedade, ao senhor.
Afinal, pra que encarnar nisso como uma disputa entre quem ganha e quem "perde"? Você nunca sairá desta encarnação como um "perdedor", Silvio. E, ao cabo da existência como um todo, todos somos perdedores porque não somos eternos no sentido da matéria (iremos todos inevitavelmente para o chão), embora possamos ser no sentido do espírito e do símbolo.
Está mais do que na hora de entender a magnitude do projeto do Parque Teatro do Bixiga e sua ligação com o trabalho e o legado do Teatro Oficina, Silvio. É preciso fortalecer mais a cultura - principalmente a multidiversa, multiétnica, brasileira - para que os seres humanos possam ser revolucionados a fim de um uso mais rico, apetitoso e proveitoso da vida e não da escravização em torno da obediência ao lucro a todo custo! O lucro assim viabilizado ainda há de acabar com o mundo. A maior e mais verdadeira luxúria, Silvio, é que cada ser humano possa ter tudo, uma vez que nós não crescemos, evoluímos e nos desenvolvemos sozinhos, mas sempre em contínua troca e convivência com outros.
Coloque a mão no coração, te rogo, e use sua cabeça para pensar no futuro de cada um de nós, de nossos irmãos, filhos e netos, e não apenas no de sua própria família - que já está bem e permanecerá bem durante várias gerações. O senhor mesmo já fez a provisão e cuidou disso, cuidou deles.
Peço apenas um gesto humanitário de consciência, Sílvio. E isso é um milagre no campo do possível.
Desejo-te bons votos e consciência.
IkaRo MaxX
poeta, filósofo e agitador libertário.